sábado, 6 de março de 2010

Tim Burton, o presidente do júri em Cannes 2010



De 12 a 23 de maio acontece a sexagésima terceira edição do conceituado Festival de Cinema de Cannes, na França. Ano passado o grande vencedor foi o filme A fita branca (Das weisse band, 2009), do veterano e premiadíssimo diretor alemão Michael Haneke, o qual ainda não tive a oportunidade de assistir. Como melhor diretor venceu o filipino Brillante Mendoza, por seu trabalho em Kinatay, algo como O executado. Os atores premiados foram a inglesa Charlotte Gainsbourg, por Anticristo (Antichrist, 2009), do dinamarquês Lars von Trier, e o austríaco Christoph Waltz, que fez um trabalho sensacional em Bastardos inglórios (Inglorious basterds, 2009), de Quentin Tarantino. Para esse ano ainda não foram finalizadas as inscrições, mas assim que tivermos acesso às listas de indicados prometo um post de divulgação. Cannes é talvez o mais representativo evento cinematográfico no mundo e merece toda a nossa atenção. Os franceses são exímios reveladores de grandes artistas de cinema, especialmente daqueles advindos de cantos desconhecidos do planeta. Um dado interessante é que dificilmente as premiações do evento coincidem com as de outros festivais consagrados, como Berlim, Veneza, Roma, Madri, Toronto, Buenos Aires e São Paulo, o que nos dá a possibilidade de contato com os mais diversos filmes e as mais variadas linguagens do cinema mundial.

Como de praxe, a presidência do júri responsável pela direção dos trabalhos de eleição dos premiados cabe a alguém de dentro do cinema. Na edição passada a presidenta do júri foi a atriz Isabelle Huppert, liderando uma banca formada por nomes como Asia Argento, Robin Wright Penn, Chang-dong Lee e o ótimo diretor contemporâneo James Gray, que em breve terá seu post. Para esse ano a presidência do júri principal ficará a cargo do diretor americano Tim Burton.


Confesso que não sou um fã do cinema de Tim Burton. Sei que muita gente o cultua. Para mim, depois de cerca de vinte minutos de exposição às suas fantasias começo a sentir um desagradável enjoo, como se estivesse saturado do típico tratamento timburtoniano de cena. Gosto de Edward, mãos de tesoura (Edward scissorhands, 1990), principalmente pelo andamento desse quase conto de fadas. O pacto de ficção que Tim Burton elaborou para seu Edward tinha uma medida bastante agradável, e é difícil não simpatizar com a história, a música e as belas cores, sem exageros. Também acho Os fantasmas se divertem (Beetlejuice, 1988) um filme com uma dinâmica de humor e ação bastante engenhosa. E gosto de Ed wood (Ed wood, 1994) e da impressionante fotografia e design do filme A lenda do cavaleiro sem cabeça (Sleepy hollow, 1999), respectivamente do fotógrafo mexicano Emmanuel Lubezki e do diretor de arte Rick Heinrichs, um especialista em "rechear" os espaços fílmicos. Contudo, acho a história desse último uma lastimável tentativa de abordagem sobre a famosa figura do folclore americano.
Os demais filmes de Tim Burton sempre me provocaram o já dito enjoo, com exceção das suas animações em stop motion, as quais possuem grandes méritos. Tudo isso não significa que desprezo o cinema de Burton, mas pessoalmente não consigo sustentar uma empolgação com relação aos seus filmes. Burton é o cineasta do culto ao bizarro. Suas produções nos levam a pactuar com uma fantasia realizada sob o viés do macabro, do gótico e de um imaginário infantil mais surreal. Quanto a isso, nenhum problema. O problema é o grau de pacto que Burton propõe. Há um movimento fílmico eloquente no sentido de jorrar e exagerar a imagem distorcida. Por isso somos quase que alvejados por cores, formas e sons concebidos sob a ótica do excesso. Tudo isso funciona muito bem, porque Burton não é um cineasta tentando uma linguagem específica, mas, para mim, funciona apenas em um primeiro momento. Pensando nisso, devo dizer que Tim Burton é um grande criador de prólogos, talvez o melhor que exista dentro dessa proposta.
Um outro problema que ocorre à medida que seus filmes avançam é que, além das cores e formas gritantes, há um proposital movimento de teatralização do universo fantástico, e o jeito que isso é concebido por Burton muitas vezes nos dá uma sensação de banalização do conteúdo, como se estivéssemos assistindo uma peça infantil encenada de modo a tirar um sarro da sua própria conjuntura, mas sem que ninguém se dê conta de que o efeito é por vezes ridículo. Não gosto desse tipo de tratamento, e fico ainda mais intrigado com Tim Burton ao saber que seu mais novo trabalho é uma produção da Walt Disney. Se eu estiver certo e Tim Burton na verdade não tem uma vírgula de sensibilidade acerca do imaginário infantil, então ele está trabalhando no lugar certo - em que todas as aparências indicam o contrário.
Entretanto devo admitir que a narrativa de seus filmes, tenham os problemas que tiverem em relação aos métodos de abordagem, é extremamente objetiva e funciona quase sempre muito bem. Nesse aspecto creio que ele superou até mesmo o superestimado Christopher Nolan, em seu Batman. Nolan tentou engendrar uma verdadeira teia narrativa em O cavaleiro das trevas, e no fim das contas não sabia mais para que lado apontar, prejudicando o conjunto de seu trabalho. Burton, por outro lado, elaborou uma eixo narrativo e o desenvolveu sempre objetivamente, permitindo ao espectador ter tempo para entender o processo e imediatamente se render ao divertimento, especialmente pela abordagem legitimamente clown de Jack Nicholson. Nada contra Heath Ledger, pelo contrário. Só acho que ele deveria ter sido dirigido por alguém um pouco menos egóico que Christopher Nolan, capaz de ver que o filme só precisava mesmo desse personagem e de um enredo com uma tentativa um pouco menos descabida de ser complexo.

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