segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A volta da censura ?

Imagine uma lei que vise punir com um a cinco anos de reclusão e multa para todo aquele que "fabricar, importar, distribuir, ter em depósito ou comercializar filmes ofensivos aos costumes ou às tradições dos povos, bem como a seus cultos, credos, religiões ou símbolos".

Uma lei desta me parece um claro entrave, uma clara censura a esta indústria, castrando-a de liberdade artística e fazendo que todos aqueles que pretendam seguir nesta área tenham que fazê-lo sobre a tutela do medo. Medo de que uma ordem judicial possa a qualquer momento decidir que aquilo que você produziu é de alguma maneira ofensivo aos costumes ou às tradições dos povos, seus cultos, credos, religiões ou símbolos.

Mais chocante do que ser obrigado a criar sua arte sobre a mira de uma possível decisão judicial é o fato do proponente desta lei, um Senador que acaba de ser reeleito, ter admitido que não tem o costume de olhar filmes e não saberia dizer quais filmes se enquadrariam nesta lei. Assim sendo, eu me pergunto qual o conhecimento tem o proponente sobre esta área ao ponto de propor uma lei restringindo-a severamente se este não é um participante da mesma ?

Esta mesma lei permite também que "o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: a) o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; b) a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas". Este último trecho me lembra uma época remota de nosso País onde a liberdade artística e de expressão não era nada bem vinda.

Para completar, esta lei, criada em 2006, recebeu no dia 20/12/2010 um parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Destaco o seguinte trecho do relatório:

"Pesquisas realizadas em 1999, nos Estados Unidos, e apontadas por Vítor C. Strasburger em “Os adolescentes e a mídia: impacto psicológico”, registram que, embora a violência na mídia certamente não seja a causa principal da violência na vida real, ela é um fator significativo (citado por Lynn Rosalina Gama Alves, em “Jogos Eletrônicos e Violência: Desvendando o Imaginário dos Screenagers”).

A violência nos meios de comunicação pode facilitar o comportamento agressivo e anti-social, diminuir a sensibilidade dos espectadores em relação à violência e aumentar sua percepção de viverem em um mundo mau e perigoso."

Aos políticos que criaram este projeto de lei e aos que emitiram pareceres favoráveis eu vos pergunto: "Como pode um parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania citar apenas UMA referência científica para contribuir no embasamento para aprovação de um projeto lei ? Como pode esta Comissão conter a palavra Cidadania se os cidadãos diretamente envolvidos, produtores e consumidores desta indústria, não foram ouvidos ? O que é mais ofensivo: o Estado me dizer que é ofensivo através de uma lei onde seu criador aparentemente não possui embasamento para criá-la ou um filme em que posso simplesmente não assisti-lo por me ser ofensivo ?"

Gostaria de ouvir as respostas. Em tempo eu sinto que são projetos de lei como este que fazem aumentar a minha percepção de que vivo em um mundo mau e perigoso, muito mais que qualquer meio de comunicação ou mídia já me fez sentir.

Felizmente para os cinéfilos, e infelizmente para todos usuários de jogos eletrônicos (videogames) e toda a jovem indústria de jogos do Brasil, esta lei não se aplica a filmes e sim a videogames.

É com o mesmo inconformismo que um cinéfilo deve ter sentido no decorrer deste texto que eu escrevo este texto. Sou um mero jogador mas não consigo ficar parado perante isto.

Os jogos lutam para que venham a ser reconhecidos como arte assim como o cinema lutou em seus primórdios. Para quem dúvida que sejam realmente uma arte, recentemente a revista norte-americana Time comparou o jogo 'Alan Wake' a filme de Hitchcock para citar apenas um exemplo.

Obviamente os Senadores e Senadoras que apoiam esta lei devem ter pensado duas vezes em fazê-la aplicável aos filmes, pois desta maneira teriam toda uma enorme legião de atores, diretores e produtores realizando pressão pública através de seus espaços junto a imprensa. Nós, nerds, programadores, desenhistas, jogadores, não temos o mesmo espaço junto à imprensa, então pedimos a você, amante da sétima arte, que também nos ajude a divulgar esta mensagem.

Se não existem leis que restringem de maneira semelhante filmes e livros, e espero que nunca existam, não é justificável que haja tal lei apenas para jogos eletrônicos.

Queremos poder escolher qual jogo iremos jogar da mesma maneira que escolhemos qual filme assistir ou qual livro ler. Não queremos que o Estado faça isto por nós. Simplesmente queremos o direito de decidir aquilo nos é ofensivo ou não, e, como todos devem concordar, a violência do mundo real é infinitamente mais ofensiva que a violência do mundo virtual.

Hoje são os jogos eletrônicos que o Estado quer ter o poder de banir e amanhã o que será ? Filmes ? Livros ? Pinturas ? Programas de TV ? Notícias ?

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