sábado, 24 de setembro de 2011

Dois poemas de Adélia Prado

De A duração do dia (2010).


A MADRUGADA SUSPENSA

A fria estação recobre a terra
com a pele dos sonhos.
Insinuado apenas, tudo se equivale
na maciez cinzenta.
Nada é voraz.
A nevoenta cortina trata a luz com brandura,
quanto mais baça, tanto mais eterno
o halo reflexo no vapor suspenso.
Sorvo encolhida a gélida beleza,
meu respirar transvaza convertido,
ele também, em pura e só neblina.

(p. 77)


A SUSPENSÃO DO DIA

O Cordeiro repousa no mormaço,
esquecido dos pecadores
que também fazem a sesta,
esquecidos de seus pecados.
O mundo cai de cansaço.
A salvação, mais que viável,
é certa para santos e réprobos.
Molesto sem querer uma formiga
e ela debate-se
lutando para não morrer.
Rezo por ela delicadamente.
O sol define seu curso,
o cordeiro desperta seu pastor,
a inocente formiga
pica minha mão.

(p. 78)



4 comentários:

  1. Achei esta capa de livro, em um rápido olhar, tão fálica... Dá uma checada no blog do Adriano, de Curitiba, que conhecemos juntos, intitulado "Escamandro"! Muito legal! Abração!

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  2. Sim. A capa foi projetada pela própria Adélia. A pintura é de Matisse.
    A capa é como um título pictográfico para muitos poemas da autora, que associam o erotismo à religiosidade.

    Obrigado pela dica sobre o Adriano. Vou dar uma olhada.

    Abração!

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  3. Matisse ou Magritte?
    Aninha

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  4. Ah, sim, Magritte. Desculpe. Ato falho.
    A Aninha tá devorando o livro e percebeu o equívoco.

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