quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Mousikós (1): Léo Delibes

Maurice Merleau-Ponty escreveu que podíamos ver com os ouvidos e ouvir com os olhos. Perspicaz observação de quem dedicou-se à fenomenologia da percepção, à fenomenologia dos sentidos. O corpo como unidade sensorial e a unidade sensorial do corpo como princípio sinérgico de percepção. O princípio sinérgico corpóreo-sensitivo como organismo cognoscitivo dinâmico. Pois bem. Sempre quis que, neste blog, os frequentadores pudessem ter uma experiência para além da primazia do olhar, porque, como Merleau-Ponty, também trabalho num movimento descentralizador de primazias, ou, em outras palavras, não estrito às excelências cognoscitivas reducionistas.

Por essa razão, a partir deste momento inicio um novo capítulo neste blog: mousikós. Quero dedicar, talvez semanalmente, ou conforme for periodicamente possível, algo que, apesar de ser percebido inicialmente pelos ouvidos de nosso frequentadores, tende a ser cognoscitivamente amplificado. Com o visual, através da leitura, não é diferente, mas agora, com a presença dos ouvidos, talvez isso fique mais consciente. Seja como for, fica a ternura em gesto de alguém que há muito se maravilha com música.

Começo com o belo e famoso trecho "Dueto das flores", do início do primeiro ato da ópera Lakmé, do compositor francês Clément Philibert Léo Delibes (1836-1891). No trecho, a sacerdotisa indiana Lakmé, cujo pai, Nilakantha, é devoto de Brahma, colhe flores para seu banho diário, que está sendo preparado, nas águas de um rio, conforme tradição indiana, por Mellika, sua serva. As duas moças, então, começam a entoar um dueto, consagrando água e flores.

A soprano que interpreta e vocaliza Lakmé é a francesa Mady Mesplé. A meio-soprano (mezzo soprano) que encarna Mellika é Danielle Millet. O condutor da orquestra é Alain Lombard, também francês, e os músicos compõem o Coro e Orquestra do Teatro Nacional de Ópera Cômica, da França. Demorei até achar uma intepretação com qualidade dessa peça, e terminei selecionando uma francesa, sobretudo porque o compositor é francês e a língua falada é a francesa. Além disso, nenhuma outra interpretação me encantou mais que essa (ouvi cinco, inclusive uma coreana muito boa).



O trecho é dedicado a Aninha, que adora viajar, com o espírito, para a Índia.

Abraço e até a próxima.




3 comentários:

  1. Amei a proposta do capítulo mousikós. O post inicial é lindo: compartilho as ideias, adorei a música e, claro, fiquei lisonjeada com a dedicatória. Beijos
    Aninha

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  2. Fabiano, é possível sim percebermos as coisas com a troca dos sentidos: ver com o tato; ouvi uma palavra amarga ou doce ou áspera; ouvir com os olhos e etc., chamamos isto de sinestesia.
    Sua proposição é muito interessante e inusitada.
    Não vou perder uma postagem.
    Infelizmente não consegui ouvir (ouvi só com os olhos, rs) a música por um problema de áudio no meu PC, mas quando tiver oportunidade, ouvirei.

    Parabéns pela sapiência!

    Abraços!

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  3. Grande texto!
    A muito que tenho pensado e também sentido
    muitas dessas trocas sensoriais
    - sinestésicas - em relação aos
    cheiros e gostos proporcionados por algumas músicas.
    Meu sonho é ter a capacidade de ouvi-las
    com mais cor...
    Abraço, amigão!!!

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