sábado, 3 de setembro de 2011

QUEM LÊ O QUÊ?


Não saberia definir de maneira precisa o que faz uma obra tornar-se importante. Posso apenas falar sobre algumas noções que tive ao ler algumas delas, pois tanto a boa literatura quanto a filosofia não se ocupam com o simples entretenimento gratuito e confortador, elas existem por que nós, homens, existimos e as criamos para entender-nos e refletir sobre nossa organização individual e social com base em seus elementos e, sobretudo, ao tempo. E desse último (o tempo) nos fala a História, apresentando-nos várias faces e pontos de vistas que não nos pode escapar quando tratamos de pensamentos não-contemporâneos aos nossos. Faz-se necessário compreender que nada está solto, precisamos equilibrar as medidas temporais com as mentalidades e intenções disponíveis em cada época e em cada espaço desses tempos.
Assim, por exemplo, não poderíamos simplesmente jogar um conto machadiano nas mãos de um adolescente e esperar que ele o aprecie devidamente sem antes deixá-lo a par de que o tempo e as perspectivas são outras quando se abre um pensamento fora de nosso contexto atual. Como explicar, sem esclarecer previamente, que os braços desnudados de uma mulher em determinada sociedade do século XIX poderiam causar um espírito que despertasse para o erotismo? Parece fácil se não levarmos em conta que a “caverna moderna” (nossa sala de estar), segundo Donaldo Schüller, nos fornece um panorama “despido” em relação ao erótico. Em comparação à caverna da República de Platão, Schüller, nos faz pensar em nossa própria noção de sombra no que tange aos espectadores e leitores de mídias que as têm ao toque de um dedo na hora e quando bem entenderem. Nossos vultos são diferentes dos da época de Machado de Assis, tal como nossos valores em relação ao sexo. Então, visto isso, é possível que um jovem de hoje sinta profundamente um texto onde o ápice encontra-se em um simples levantar de mangas?
Será que entenderíamos Guerra e Paz, de Tostói, sem termos a noção de que houve uma revolução francesa aos pés dos personagens? Seria o mesmo que lermos Madame de Bovary (de Flaubert); A Mulher de Trinta Anos (de Balzac); A Mulher Desiludida (de Simone de Beauvoir); Antígona (de Sófocles); ou A greve do sexo (de Aristófanes) esperando que as protagonistas atendessem a alguma perspectiva machista.
Perceberam a disparidade?   
Mas tratando agora do conhecimento que chama a compreensão de novas leituras: como ler “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, sem no mínimo ficar curioso sobre o personagem que o acompanha ao “Inferno”? E como, depois de ter tido contato com esse personagem (Virgílio), não querer conhecê-lo como autor, em sua essência, através de sua “Eneida” (epopeia que canta a viagem do troiano Eneias e os sobreviventes da batalha de Troia contra os gregos)? Do mesmo modo, devido à confluência das obras e elementos de origem helênica, impossível é não ficar absorvido com a ideia de pelo menos sentir desejo de ler a “Ilíada” e a “Odisseia”, de Homero, para estar – pelo menos através das palavras de seus autores – nos lugares onde se aventuraram e repetiram-se as trajetórias de Eneias e Odisseu? E nem vamos falar sobre Hesíodo com sua “Teogonia”, para não delongarmos-nos em nossos exemplos... 
Portanto, como leitores, devemos nos sentir privilegiados por essa infinidade de universos dispostas à nossa vontade. Uma vez que elas só poderão existir se nos prontificarmos a navegar atentos por cada pulsar de artérias para que possamos entender e – e porque não? – (re)escrever-nos em nossas próprias epopeias silenciosas. Assim sendo, não deixemos de ler o que está além de nossos olhos (ouçamos o canto das sereias), só assim poderemos, não apenas decifrar códigos, mas deixar com que eles nos alistem como tripulantes de naus que navegam por milhares de mares e tempos.              
Enfim, precisamos estar cientes de que não há como abrir um livro sem a prévia de reflexões sobre sua temporalidade (hábitos, valores, pensamentos...). Abrimo-nos para depois abri-los e, aí sim, entendê-los e entender-nos neles.
Assim seguimos – cada qual respeitando o seu tempo –, lendo e sendo lidos por todos os tempos e mares nunca antes navegados.      

3 comentários:

  1. Bom texto, Dilso! Agora contas com o teu amigo Rafael Trapp como colaborador do blog. Muito massa! Abração!

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  2. Vou procurar me esmerar em minhas contribuições

    Rafael

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  3. Vou ficar ligado, pois te respeito bastante e te admiro muito também...

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