segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Entre as vozes e o silêncio, a sedimentação do saber:

ecos do V Colóquio Leitura e cognição







Poucas são as oportunidades que temos, em meio à atribulação cotidiana, de nos determos em reflexões acerca do conhecimento e suas implicações no nosso modo de vida; ou, sobre as implicações trazidas pelas transformações do modo de vida às formas de conhecimento. Esse foi um dos aspectos discutidos pelos participantes do V Colóquio Leitura e Cognição, realizado pelo Mestrado em Letras, em parceria com os departamentos de Letras e Comunicação Social da Unisc. Durante alguns dias do mês de agosto, nas dependências do campus de Santa Cruz, tivemos a oportunidade de dialogar com estudiosos expoentes das áreas da Literatura, da Semiótica e da Comunicação.

Gostaria de comentar aqui sobre alguns temas que vieram à baila e que, de alguma forma, se entrecruzaram nas exposições dos palestrantes convidados: os textos na era digital, o acesso às informações e a produção de conhecimento e a quantidade versus a qualidade da leitura.

Se a instauração do alfabeto provocou modificações irrevogáveis na história da humanidade, a imprensa se encarregou de expandi-las. Os modos de produzir, compartilhar e adquirir conhecimento estavam, de certo modo, balizados pela configuração do livro ou do texto impresso em papel. Hoje, o texto passou a ser também digital, e tem como suporte a tela.

As modificações que a era digital veio trazer à evolução humana ainda não são claras, uma vez que vivemos em pleno período de efervescência, o que dificulta a observação nítida dos processos. Sabemos que os modos de leitura sofreram mudanças significativas, sobretudo no que diz respeito à acessibilidade, agilidade e quantidade de informações viabilizadas pela internet. Esse foi um dos temas abordados pela professora Lucia Santaella, da PUC/SP. A pesquisadora afirma que as novas tecnologias modificaram nossa forma de relação com o conhecimento. Produzimos num ritmo acelerado e precisamos absorver o maior número de informações possível para não ficarmos obsoletos. Segundo a pesquisadora um intelectual que se preze precisa ler no mínimo três livros por semana, fora os jornais, revistas e outros periódicos, que encontramos em escala mundial na internet. Na cibercultura temos acesso a um oceano de informações, aproveitando a metáfora da liquidez, cunhada por Zigmunt Bauman, que associa diversos aspectos da sociedade pós-moderna, dentre eles o conhecimento, ao conceito de líquido, isto é, as coisas não são mais tão sólidas como pensávamos antes.

Produzir mais e acessar mais, no entanto, não significa produzir e acessar melhor ou melhores materiais. A formação do leitor envolve também critérios para selecionar o que ler e como ler. Selecionar o que é realmente relevante dentre as tsunamis de informações requer maturidade do leitor, o que não pode ser aprendido na velocidade do ciberespaço. Em se tratando de literatura, velocidade é tudo o que o leitor não precisa, pois a fruição requer tempo, paciência e sensibilidade do leitor, aspectos bastante relegados pelo ritmo imposto ao mundo contemporâneo. O leitor parece viver um paradoxo: a infinidade de materiais a sua disposição, a necessidade de ler mais para absorver tudo e, por outro lado, a necessidade de aprofundamento da leitura, que requer reflexão, decantação do pensamento.

Este tema foi abordado na fala de Gustavo Bernardo (UERJ), um pensador dedicado também ao estudo da leitura e literatura na pós-modernidade. Bernardo salientou o apelo à quantificação que a literatura muitas vezes sofre, influenciada por outras áreas do conhecimento - em que a quantidade vale muito – de maior prestígio acadêmico. Segundo o pensador, em se tratando de leitura literária, reler pode ser muito mais importante que ler, pois precisamos deixar maturar o que foi lido.

O leitor contemporâneo busca equilibrar-se no mundo da informação produzida e acessada rapidamente. Precisa separar o joio do trigo. Um dos possíveis caminhos para lograr tal intento fora apontado, nos parece, no painel composto pela professora e poetiza Vera Lucia de Oliveira (Università degli Studi di Perugia), e pelo professor e jornalista Luiz Gonzaga Motta (UnB). A questão foi lançada aos painelistas por uma ouvinte: qual seria o papel do silêncio nesse universo de ruídos que é o atual mundo do conhecimento. Os dois palestrantes concordaram que é um papel imprescindível, embora relegado. Referiram ao poeta Manoel de Barros para lembrar o quão poético pode ser o ínfimo e o aparentemente insignificante, e o quão necessário se faz, para a produção de conhecimento, lançar mão do que, em geral, é considerado desútil, como a poesia, a releitura e o silêncio, para sedimentar o apreendido.

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