quinta-feira, 20 de outubro de 2011

SOPHIA E AS FORMIGAS...


  Ao entrar em casa, fugindo às tensões do mundo e do trabalho, vislumbrou o que ainda não havia presenciado em todos aqueles anos (pelo menos não ali dentro!): uma trilha de insetos - formigas negras - andando nervosamente em fileiras.
  Acompanhando com os olhos a enegrecida trajetória, repetindo nuances e, praticamente, junto com elas equilibrando enormes pedaços de migalhas, a senhora, aproximando mais o olhar, contemplou a grandeza de uma pequena e perfeita organização.
   Debruçou-se...
  O chão estava magnificamente limpo, o reflexo, traduzindo o teto, captava um corpo maior em cima de outro, o córrego de pequenas pernas pareciam transitar sobre elas próprias. A transfiguração parecia óbvia quando as pinturas metamorfosearam-se sobre si, parecia a criação de algo, parecia a percepção de uma outra parte que ela ainda não conhecia.
  Minutos se passaram em relação ao entendimento do outro mundo, seu corpo estava diferente, seus cabelos resumiam-se em duas antenas, seu universo mudara, seus membros mudaram, seus pensamentos mudaram... O desejo era de apenas seguir com sua bagagem e suas, agora, irmãs que já lhe saudavam com a lembrança de que tinha trabalho a fazer. Caminhou incessantemente seguindo o que ainda não sabia. Um impulso maior lhe acometia a tradução de que algo superior estava por de trás daquele ato, algo maior, algo misterioso.
  Passou por debaixo da porta dos fundos, pelo gramado, pelas imperfeições da terra... Parou. Descansou. Seguiu. Tudo era imenso! A fileira de insetos levou-a a um enorme monte. Lá dentro, quase como se as paredes se movessem, saltou-lhe os olhos a vida que se pintava em todas as partes, a colônia de formigas era magnífica.
  - Pela primeira vez me sinto parte de um todo - pensou -, pela primeira vez...
  Largou o que havia no dorso e aliviou-se enquanto retornava. O que trazia no instinto era o que manteria a todos, o que havia portado, em peso desmedido, era o que conservaria as outras que também carregavam o mesmo peso do velho mundo sobre as costas.
O cosmo é feito de tantas aspirações grandiosas que é impossível olhar para baixo. Ao retornar, aturdida com seu novo batente, nem percebeu quando...
  - Sophia, você está aí?
  E, entrando compulsivamente, pisou-a com tanta força que nem deu tempo de gritar. Os resquícios do velho mundo que sustentavam o novo haviam lhe cobrado com uma pegada certeira.
  - O que está fazendo aí deitada?
  - Acho que adormeci...

Um comentário:

  1. Boa noite Dilso,

    Me vou apresentar: sou Portuguesa, Professora de formação e no activo, e sou amiga do Bento Sales. É suficiente, penso eu.
    Sempre, que posto comentário no blog do Bento, leio o seu comentário, também.
    Linha a linha, vejo sujeito com predicado, seguido de complemento directo. Muito bom, penso eu.
    Se exprime com facilidade e muita, muita erudição.
    Seu texto, não sendo fácil, é um deslumbramento e faz puxar pelo raciocínio.
    Se a humanidade fosse formiga e tivesse seu comportamento, todos trabalhando, ordeira e arduamente, este mundo era quase perfeito.
    Gostei das personificações e das despersonificações.
    Inteligentes as personagens, que criou.
    É evidente, que seu texto pode ter outras conotações, porque ele é polifacetado. Cada leitor dar-lhe-á, a sua interpretação.

    Abraços de luz.

    afectosecumplicidades.blogspot.com

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