terça-feira, 29 de novembro de 2011

Cultura gastronômica, chocolate e Sorvete Alpino Dark

Luis Fernando Verissimo costuma dizer que brasileiros comem, na maioria das situações, com o estômago, enquanto que franceses, por exemplo, comem com o paladar. Uma diferença significativa, que gera o que se chama cultura gastronômica: aqui é de um jeito, lá é de outro. Essa diferença acarreta diferentes concepções sobre o prazer gustativo. Aqui, no Brasil, desenvolveu-se, em geral, um prazer mais estomacal que gustativo. Uma comida, por exemplo, para ser bem qualificada, precisa "cair bem no estômago", saciando o indivíduo e não repercutindo adversamente sobre seu corpo. Em lugares como a França, em que a gastronomia tem um significado especial, comer bem quer dizer experimentar a singularidade de uma química de sabores e sentir sobre o corpo os efeitos dessa experiência. O estômago é um estágio final da alimentação bem menos significativo para o que se quer por prazer gustativo. Os franceses são mais racionais, nesse sentido, que nós. Mais sentimentais também.

Outro elemento distintivo que podemos apontar é a variabilidade da percepção gustativa. Exemplo claro em relação a isso é o de uma torta. Ao colocar um pedaço de torta na boca e dar início à mastigação e a movimentar a língua para produzir o primeiro estágio do chamado "bolo alimentar", proporcionando um melhor engolimento, basta, para nosso paladar, sentir o sabor do açúcar e talvez um ou outro sabor que timidamente se desenvolva em nossa periferia gustativa. (A definição soou pedante, mas tecnicamente não deve ser muito mais que isso mesmo). Esse outro sabor geralmente é, pelo menos aqui na região em que vivo, o de alguma fruta. Me refiro a uma fruta porque os demais sabores pretendidos pelo confeiteiro em geral estão totalmente ofuscados pelo açúcar. Portanto, temos assim um exemplo de variabilidade gustativa em relação a uma torta. Nela, dois sabores elevam-se: o do açúcar, sempre apático porque sem novidades, e o de alguma fruta, deslocado para a periferia mal iluminada de nossas sensações (por vezes é preciso até esforço para sentir o gosto, ou, gentilmente, imaginar o sabor). O açúcar, ou doce, tem ainda variações pretenciosas: às vezes quer ser chocolate, às vezes quer ser doce de leite, etc. Quase sempre o efeito disso tudo é a chamada sensação de enjoo gustativo.

Um francês, ou não necessariamente um francês, mas alguém que busque uma outra experiência gustativa - que pode bem ser um brasileiro -, é um sujeito que quer uma refinação maior em relação à comida. E não apenas uma refinação: quer também que os ingredientes sejam sinceros. Para tanto, é preciso conhecimento, em primeiro lugar, de quem prepara o que os outros irão comer. Por isso existem cursos especializados - aqui e no mundo inteiro. Nesse caso, uma torta precisa ser uma experiência mais enriquecida que a mera experiência de perceber açúcar. As duas versões - a com sabor de açúcar e a com sabor de outras coisas mais - são ambas comestíveis, é verdade. A diferença está em uma ser tão somente comestível e a outra ser uma experiência um pouco mais larga que isso - e o que torna uma assim e a outra assado geralmente está nos detalhes, nem tão complexos e caprichosos quanto parecem. Às vezes é até mais fácil fazer algo excelente do que fazer algo que somente mate a fome. Uma questão de perspectiva, talvez, mas é impressionante como as questões de perspectiva tornam-se tradições culturais que se estendem para outros momentos da vida, promovendo ações, ideais, discursos, sonhos, etc.

Outro exemplo é o chocolate. Nada justifica a dificuldade de encontrar chocolates brasileiros que sejam, enfim, chocolates, ao invés de barras de açúcar e gordura. Os suíços, por exemplo, que produzem chocolate excelente, não plantam cacau - a matéria-prima básica do chocolate -, ou plantam em número insuficiente para satisfazer a demanda do mercado suíço, afinal o país é uma viela se comparado ao tamanho do Brasil. Lá o cacau é importado - de lugares como o nosso país. O problema, então, não é o cacau brasileiro. O problema pode ser uma questão de perspectiva. Uma barra tradicional de um chocolate brasileiro é o produto de uma perspectiva química de quem não possui perspectiva. Incluo nessa questão os chamados "chocolates amargos", ou aqueles com 50% de cacau e acima. Geralmente ocorre que, nesses casos, podemos perceber o cacau, mas sem química. Ou melhor, sem que o nosso aparelho gustativo possa produzir, por ele próprio, uma química, ao invés de simplesmente ter de absorver e lidar do melhor jeito possível com a química preexistente, de baixa qualidade. As melhores experiências são aquelas em que nosso paladar não é um coadjuvante, como um receptáculo em que se joga todo o tipo de coisa e se diz "agora te vira". Nosso paladar é orgânico. Experimente uma barra de chocolate belga, por exemplo, e preste atenção em como seu paladar reagirá, depois compare com um produto tradicional de seu supermercado. Você vai entender melhor essa questão de perspectiva.

Dito tudo isso, quero recomendar um sorvete industrial que provei recentemente - eu e a Aninha, claro. Trata-se do sorvete Alpino, produzido pela Nestlé, versão "Dark". Em termos de textura e cremosidade, o produto está um pouco abaixo da qualidade de um outro sorvete, a versão limitado do de Creme, que já comentamos aqui no blog (ver histórico de "Gastronomia). Em termos de sabor, porém, é o melhor que provei nos últimos tempos - e não deixa muito a desejar para os famosos Häagen-Dasz. Com ele - acredite! - sentimos sabor de chocolate, muito parecido com o sabor de uma barra de chocolate belga, ao invés de açúcar e gordura querendo ser a mesma coisa que cacau. A versão contém pedaços de chocolate em barra que, se não são de sabor excepcional, por si só, não arruinam o todo. Até colaboram com a percepção do cacau - talvez porque produzidos numa versão "dark", que, quero crer, é intencionalmente amarga. Aliás, por que especificar um chocolate como amargo se todo o cacau é naturalmente amargo? Ora, se você não tolera sabores amargos, deveria evitar chocolate, porque o verdadeiro chocolate qualifica-se pela proeminência da amargura do cacau. Mas isso também é uma questão de perspectiva, não?





Bom apetite a todos! Abração!





11 comentários:

  1. Oi, Fabiano!
    Deve pela razões bem exportas acima que os franceses são magros e têm menos doenças cardio-respiratórias.
    No caso das bebidas, eles saboreiam com o olfato também.
    Acho que os franceses estão à nossa frente.

    Com a sua descrição do chocolate, deu-me vontade de experimentar.

    Parabém pelo saboroso texto!

    Abraços!

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  2. Obrigado, Bento. Experimente mesmo e depois nos diga o que você achou.

    Lembrei que o chocolate da marca Alpino tem malte acrescido em sua fórmula, o que poderia ser uma combinação interessante: malte e cacau. Todavia, o do tipo normal tem um malte caramelizado, parecido com os das cervejas escuras tradicionais no Brasil. Isso o torna enjoativo depois de uns três bombons, e reparem que o retrogosto é exageradamente doce e o interior da boca fica com as paredes ligeiramente empapadas com a má gordura utilizada (os chocolates suíços utilizam manteiga especial, e talvez esteja aí um dos principais detalhes). O do tipo dark, que só conheço através do sorvete, é muito melhor. O malte consegue se pronunciar mais que o açúcar (notei um traço muito sutil estilo caramelo), e percebemos muito mais claramente o efeito que pode gerar combiná-lo com cacau. Enfim, achei a ideia do sorvete excelente.

    Abração.

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  3. Só para completar, sorvete é a nona maravilha do mundo.

    Abraço.

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    1. Chocolate quente Alpino é a nona maravilha do mundo. Não sorvete!!! Ponto.

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    2. Neste início de inverno, devo concordar com você, Roberto!

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  4. Oi, Fabiano! Tudo bem? Estou com saudades de vocês. Não estou muito bem, mas podemos nos encontrar quando tudo terminar na UNISC. Já agendei com a Aninha para irmos ao novo restaurante japonês de SC. Alguns amigos já estiveram, mas eu não pude ainda. Fico aguardando um retorno de vocês. Um grande abraço e um bom final de semestre!

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  5. Barcelona merece um post aqui, hein?

    Que time lindo de ver jogando...

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  6. Um grande abraço, Fabiano! Vamos mantendo contato por e-mail. Muitas felicidades para vocês no apto novo. Assim que eu retornar de viagem, irei visitar vocês e levar um presente para a casa. Um abraço carinhoso!

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  7. Rô!!! Esperaremos tua visita! Beijão!
    Aninha

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  8. Vou levar uns presentes da empresa de minha irmã, daqui do RJ. São uns trabalhos lindos! Feliz 2012 e que no próximo ano passamos nos ver mais. O Josmar está por aí. Ele está louco para rever vocês. Liguem para ele. Um beijo!

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  9. Estou aguardando confirmação para eu ir aí novamente. Levarei um mimo de aniversário para ti, Fabiano! Grande abraço!

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