sábado, 26 de novembro de 2011

É quase que definitivamente proibido fumar

Avisos que proibem fumar costumavam restringir-se a alguns locais mais ou menos específicos. Geralmente continham a mensagem cifrada de que os responsáveis por aqueles locais, e talvez seus frequentadores, não suportavam cheiro de fumaça. Fumaça de tabaco, diga-se de passagem, porque, às vezes, em alguns casos, o cheiro silvestre de fumaça de maconha, aromatizado naturalmente, fazia até parte da combustão epifânica coletivamente pretendida pelo ato de "embasear-se" e, por isso, era até estimulado. Nada contra. O que acontece é que, durante muito tempo, o cigarro foi muito mais alvo de uma intolerância biopsíquica do que de uma proibição política. E sempre aconteceu de os próprios fumantes concordarem com isso e bem compreenderem o desagradável ar da fumaça. "Perfeito. Aqui não posso fumar. Ok. Saio para a rua, fumo um cigarro e volto. Tranquilo". Aliás, ex-fumantes são os mais chatos e rigorosos opressores de fumaça (não do ato de fumar em si, mas da fumaça dispersada no espaço aéreo, que é sempre coletivo e que, por isso, pode invadir inadvertidamente o frescor virgem de uma respiração). Diria que os próprios fumantes compreendem bem o quão desagradável é respirar involuntariamente o bafo de uma tragada. Eu, por exemplo. Sou fumante. Quando fico algum tempo sem fumar - em viagem de ônibus, por exemplo - ou quando estou comendo - num bar-lancheria, por exemplo - e alguma corrente de ar traz violentamente às minhas narinas uma baforada de um fumante próximo, sinto ojeriza. Diria que nenhum fumante gosta de fumaça. Gosta de fumar, que é outra coisa - que é o que importa, para um fumante, nesse ato. Para um não fumante, o fumante é um "fazedor de fumaça". Ótima definição. Para um não fumante importa apenas o ato-consequência da fumaça. Ele tem razão. Para um fumante, um outro fumante é também um fazedor de fumaça. A diferença é que o fumante tolera mais facilmente fumaça de cigarro - menos, acho, em casos como os que citei, que talvez sejam mais exceção que regra. Mas fumar é um ato solitário. Importa, então, o ato em si para si, que é tragar. Por essas e outras razões, sempre concordei com as proibições e limitações do ato de fumar. Compreendo perfeitamente que é algo que, em função da fumaça, é muito desagradável. Tem toda a razão quem reclama, principalmente porque respirar fumaça é um ato involuntário, e todo ato involuntário que cause desagrado provavelmente causará também oposição, revolta ou será, no mais tolerante dos meios, no mínimo detestado. Contudo, não consigo concordar que a proibição de fumar seja também uma proibição de tragar - que entendo como um ato essencialmente solitário.

Proibindo cigarro, proibi-se tragar. É aí que penso que a coisa é mais complicada. Porque, se não posso tragar, posso achar que estão restringindo minha liberdade. "Não fumo para os outros, fumo para mim". A coisa fica ainda mais complicada quando o fumante dá-se conta de que, fumando, ele involuntariamente faz os outros fumarem também. Está restringindo a liberdade dos outros, que é a de não respirar fumaça? Sim. Complicada questão, não acha? Uma complicação de mão dupla. A coisa ficou pior ainda quando entraram pela porta da discussão os médicos, falando em saúde. Um argumento fatídico para o cigarro. Mesmo assim, o debate continuou, caloroso às vezes. Demoraram até proibir fumar em ambientes hermeticamente fechados, nos quais não há possibilidade de escolher não respirar fumaça, como nos aviões. Chegaram até a criar alas destinadas a fumantes, separadas dos não fumantes, mas não durou muito tempo. O discurso da saúde ganhou força. Cinemas, ônibus, restaurantes, saunas e diversos outros lugares pouco a pouco foram aderindo à iniciativa: é proibido fumar. Eles têm razão. Ou melhor: é compreensível suas razões. Não é? Contra-argumentar um dado médico, com comprovados detalhes, tornou-se fala de suicida. "Você quer se matar?". Não. Nenhum fumante fuma para se matar, embora saiba que, em não parando de fumar, as probabilidades de morrer em virtude dos malefícios do cigarro é bem maior que os que não fumam. Mas a morte é reflexão e consciência de outro departamento. Se a coisa era ruim, imagine quando os médicos chegaram comprovando que não fumantes que conviveram com fumantes morreram por causas advindas do fato de terem respirado diaramamente fumaça. Complicado. Confesso que fica difícil saber o que dizer e ser imparcial. A única coisa que penso neste momento é que quero tragar e que quero parar de tragar no dia em que eu mesmo disser "nunca mais". Até lá, o que proponho fazer é me esforçar para diminuir ao máximo possível que as outras pessoas participem involuntariamente desse ato. Aliás, diga-se de passagem, tenho feito isso desde que comecei a fumar.

Queria, na verdade, propor uma outra coisa. A ideia não é minha. Retirei da coluna de um jornal de minha cidade. É o comentário de uma leitora sobre as novas leis de proibição do consumo de cigarros. Gasto com resultados de não total sucesso, o discurso da consciência e o discurso médico, comuns nas campanhas antitabagistas, está agregando um novo discurso: o econômico. Se não foi possível persuadir os fumantes pela consciência e pelo pulmão, quem sabe pelo bolso? Daqui a algum tempo, e depois em diante, os cigarros, se continuarem existindo, vão ser tão caros que só vai poder fumar milionário - e aí, então, pequenos burgueses vão fumar querendo sentir que vivem como ricos, mesmo que seja escondido. Escreveu a leitora, segundo o transcrito pelo jornal: "Já que colocam fotos de gente morta nos maços de cigarro, por que não colocar também de gente obesa em pacotes de batata frita, de animais torturados nos cosméticos, de acidentes de trânsito nas garrafas e latas de bebidas alcoólicas, de gente sem teto nas contas de água e luz e de políticos corruptos nas guias de recolhimento de impostos? Não é uma boa ideia?". Penso até que alguns desses avisos são tão ou mais necessários que os que são apresentados nas carteiras de cigarro. Portanto, é isso: "Não estraçalho gente jogando sobre elas as bitucas dos meus cigarros e nem causo a morte de alguém desenvolvendo um câncer em três segundos, mas motoristas embriagados imprudentes sim". E então?




4 comentários:

  1. Muito bem... Concordo em tudo o que disse... já que como sabe também sou fumante também!!!
    Abração e saudades!!!

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  2. Fui fumante durante 18 anos, a cerca de 35 anos estou livre desse vicio terrivel
    Amei seu blog, te sigo com carinho
    Preciosa Maria

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  3. Oi, Fabiano! Sabes o que penso sobre o tabagismo, né? Estou no RJ. A Ana escreveu-me duas vezes. Também enviei um torpedo para ti, contando da novidade do Rafael. Estarei em SCS lá pelo 5 ou 6 de janeiro. Irei visitar vocês no apto novo e levarei um presente. Boas Festas e um abraço a vocês dois!

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