terça-feira, 22 de novembro de 2011

Mousikós (3): José Miguel Wisnik

Em setembro propus a série Mousikós, trazendo, em cada capítulo, um breve texto sobre algum músico e a oportunidade de conferir, na íntegra, através de um player, uma música de sua autoria. As duas primeiras partes foram dedicadas, respectivamente, a Léo Delibes e a Zbigniew Preisner. Por falar em Preisner, gostaria de compartilhar com nossos leitores que o compositor polonês, com quem costumo me corresponder, leu o texto e sentiu-se muito grato e honrado. Gentil e afável, convidou não só a mim, mas a todos do "sul do Brasil" que apreciavam sua música a, se um dia for possível, visitarem sua casa-estúdio, em Niepolomice, sul da Polônia, a leste de Cracóvia. Da mesma forma, externou sua vontade de retornar ao Brasil e, em ocorrendo essa visita, receber gentilmente a nós, ouvintes seus.

O capítulo de hoje dedico ao cancionista brasileiro José Miguel Wisnik, ou Zé Miguel Wisnik. Arrisco-me a dizer que Wisnik é atualmente um dos grandes compositores de nosso país - do naipe de Caetano, Chico, João Bosco e por aí vai. Além de músico, Wisnik é um grande intelectual. Professor da Universidade de São Paulo, doutorou-se por lá em Teoria da Literatura e Literatura Comparada no início da década de 80. Publicou, entre outros títulos, Música: o nacional e o popular na cultura brasileira (Brasiliense, 1982, reeditado em 2001), ao lado de Ênio Squeff; o ótimo O som e o sentido (Companhia das Letras, 1989, reeditado em 1999), de uma erudição impressionante; Sem receita: ensaios e canções (PubliFolha, 2004); Machado maxixe (PubliFolha, 2008), aliando, como gosta de fazer, literatura e música, e Veneno remédio: o futebol e o Brasil (PubliFolha, 2008), brilhante ensaio sobre o sentido sociológico e antropológico do futebol em nosso país, desde seus primórdios. Como cancionista, lançou seu primeiro disco, José Miguel Wisnik, em 2000. Em 2002 veio São Paulo Rio. No ano seguinte foi a vez de Pérolas aos poucos, do qual retiramos a canção de hoje. O quarto disco, duplo, foi lançado alguns meses atrás, Indivisível, e, até onde pude conferir, pode ser considerado um dos melhores do ano.

Sua carreira de músico teve início lá na década de 60, na Orquestra Municipal de São Paulo. Sua formação musical erudita ocorreu ao mesmo tempo que sua formação como cancionista (a primeira participação em um festival de canção ocorreu, aparentemente, também na década de 60). De fato, é notável a convergência entre a sensibilidade musical erudita, a imagem sofisticada e os temas populares em muitas de suas canções, quase sempre acompanhadas por um piano e/ou um violão (Wisnik também é conhecido pianista). Seu trabalho como compositor não se restringe à canção, atuando, também, no cinema, no teatro e nas obras do ótimo grupo de danças mineiro Corpo.

No Mousikós de hoje trago a canção "Tempo sem tempo", do álbum Pérolas aos poucos (lançado em 2003 pela gravadora Tratore e, infelizmente, esgotado nas lojas). A canção reaparecerá no mais recente álbum Indivisível (Circus, 2011, v. 2). A diferença das versões está no arranjo. Enquanto a de 2003 é acompanhada por um piano (tocado pelo próprio Wisnik), a mais recente é acompanhada por um violão (executado por Arthur Nestrovski, outro compositor e intelectual brasileiro de destaque). Por falar em seu novo disco, Wisnik, partilhando canções com, por exemplo, Luiz Tatit e Chico Buarque (quer mais?), também transforma em canção poemas de Fernando Pessoa, Drummond, Gregório de Matos e Antonio Cícero (ufa!) e, surpreendam-se, escreveu letra para a Serenata, de Franz Schubert (1797-1828). Trabalho a ser memorável. Confira.

Indivisível (Circus, 2011, v. 1)

Indivisível (Circus, 2011, v. 2)

Mas a canção de hoje pertence originalmente ao disco Pérolas aos poucos (Faixa 2).

A seguir, transcrevo a letra e, após, disponho o player para que a canção seja também ouvida. A transcrição tem como base não o CD, mas o site de letras de músicas Vagalume. Portanto, não posso garantir que a disposição dos versos seja exatamente a que Wisnik elaborou. Garanto apenas a exatidão de todas as palavras por ele cantadas. Outra coisa: alguns sites referem que a canção é uma parceria com Jorge Mautner. Não tenho certeza. Inclusive, se algum leitor tiver o disco e puder conferir, sou grato. Na dúvida, referenciei apenas quem tenho certeza que a compôs. A propósito, aproveito o ensejo para solicitar que os sites de letras de músicas, e mesmo os próprios produtores dos CDs, sejam mais solidários, exatos e cuidadosos com seus objetos, e pensem naqueles que, em algum momento, precisarem fazer referência menos deslumbrada e mais oficial dos discos. Lembro que a canção popular brasileira tem se tornado, cada vez mais, tema de estudo acadêmico. Portanto, será necessária alguma melhoria em relação ao dados referenciais dos discos e também exatidão com relação às letras que os letristas escrevem (disposição de versos e estrofes, grafia de palavras, etc.). Qualquer mínimo detalhe pode ser significativo. Que o digam os pesquisadores da área (Tatit, o próprio Wisnik, Nestrovski, Negreiros, Aninha, etc.).


Tempo sem tempo
(José Miguel Wisnik)

vê se encontra um tempo
pra me encontrar sem contratempo
por algum tempo
o tempo dá voltas e curvas
o tempo tem revoltas absurdas
ele é e não é ao mesmo tempo
avenida das flores
e a ferida das dores
e só então
de sopetão
entro e me adentro no tempo e no vento
e abarco e embarco no barco de Ísis e Osíris
sou como a flecha do arco do arco do arco-íris
que despedaça as flores mais coloridas em mil fragmentos
que passa e de graça distribui amores de cristais, totais, sexuais
celestiais
das feridas das queridas despedidas
de quem sentiu todos os momentos





Abraço e até a próxima!






3 comentários:

  1. Gostei muito da música. Muito mesmo. Estou baixando a discografia já!

    A poeticidade da letra é tão sincera e simples e se demonstra tãop bem construída...

    ResponderExcluir
  2. Ver meu nome citado ao lado de estudiosos como Tatit, Wisnik, Nestrovski, Negreiros é uma ambição, por enquanto, ousadíssima... mas faço minhas as tuas reivindicações Amor!
    Aninha

    ResponderExcluir
  3. Jorge, obrigado. Quem me apresentou o Wisnik foi a Aninha. Adorei e, desde então, ele compõe meu repertório. Gostei muito da sua definição: "sincera e simples". Era o que eu queria ter dito, mas não me ocorreu. Valeu!

    Aninha, sem palavras. Chuac!

    ResponderExcluir