sexta-feira, 7 de maio de 2010

Mironeando



O pintor catalão Joan Miró é um daqueles artistas especiais que me envolvem em fascínio. Conheço sua obra há muito tempo, e cheguei a estudá-la há uns dois anos atrás. Sinto em sua pintura um frescor infantil que se deixa envolver pelo traço e pelo pincel apurado, num envolvimento despojado, mas ao mesmo tempo elegante. Essa elegância, entretanto, é também deselegante, mas há, contudo, um certo tipo de charme burlesco nessa contradição - uma quase brincadeira, afinal, com a irregularidade, ou, com a realidade espontaneamente imaginada. Miró é o pintor da espontaneidade do sonho, da surpresa e, por isso, da vivacidade.



Parece ser uma tendência incoercível do pintor elaborar relações de cores, especialmente as chamadas "quentes". Em conjunção, essas cores produzem um resultado que, à visão, é irresistível. Há uma relação especial entre o olhar e a cor, e Miró soube como poucos explorar esse aspecto. Parece muito simples alcançar um resultado vivaz optando por cores quentes, mas tente fazer isso em sua casa. Para Miró não importa a especificidade da cor, mas a relação que ela irá estabelecer para com todos os elementos circunscritos, entre eles as demais cores. É o que podemos chamar de colorido, no sentido mais vigorosamente lírico do termo.



Outros elementos peculiares em Miró são as formas de seus trabalhos, que estão entre as mais singelas que conheço em pintura. Disso, além das cores, resulta um frescor infantil saboroso à experiência visual, o que torna a obra desse pintor quase sinestésica. Na maioria das vezes desenvolvidas pelo traço, as formas mironeanas representam elementos típicos de um universo ao mesmo tempo ínfimo e espetacular - e quase sempre aéreo. O ar é sem dúvida o chão de Miró. Seu cromatismo e geometria surreais parecem fluir espontaneamente de alguém que, paradoxalmente, sonha acordado.



O arrojo lírico com que Miró trabalha suas cores e suas formas lembra-me imediatamente Manoel de Barros, que concebe uma disposição sígnica propositadamente irregular com um valor de significação muito parecido com o do pintor espanhol. Ambos, em suas linguagens, propõem uma poética de criançamento de valores - um depois e o outro antes da realidade, ou tudo ao mesmo tempo. Suas imagens surpreendem, lembram a vivenciação de uma criança. E da surpresa só pode restar a energia da vivacidade - especialmente quando trata de aspectos que foram marcantes em nossos sonhos infantis, e que descobrimos pela linguagem de nossos sentidos e pela força (re)criadora de nossa imaginação.



Se Miró é surreal, no sentido estrito do termo, digo que é muito bom o seu sono.






Um comentário:

  1. Vi, senti e amei "Para Sempre Miró" no MARGS,,,uma vez...
    Adorei tua escrita parabens

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