quarta-feira, 23 de junho de 2010

O homem lobo



Confesso que relutei bastante antes de decidir escrever esta postagem, afinal estou ensaiando em território que meu amigo André Bozzetto Junior domina como poucos: a licantropia. Entretanto, assisti hoje o filme O lobisomem (The wolfman, 2010), dirigido por Joe Johnston, e não resisti a compartilhar alguns pensamentos que me ocorreram durante e após o longa. Escrevo, portanto, com certa relutância, mas também em homenagem ao André, que escreve bons textos licantrópicos, é fã do tema e compartilha seu apreço pelo assunto no blog Escrituras da Lua Cheia. "Cuidado com a lua", como diria ele.

O lobisomem é uma refilmagem de The wolf man, produzido em 1941, estrelado por Lon Chaney Jr. e dirigido por George Waggner. Tenho que confessar que nunca assisti o filme original, portanto não posso fazer comparações - mas também creio que não seja necessário. Duas razões me levavam a não colocar nenhuma fé nesta nova produção. Ou melhor, três. A primeira está relacionada ao diretor, Joe Johnston.



Johnston não é um cineasta, mas um técnico em efeitos especiais promovido pela Industrial Light & Magic, de George Lucas, e sua superestimada série Star Wars. Sua pequena capacidade cinematográfica fica bem clara já na cena inicial, absolutamente gratuita, incompreensível e densa como um pires: a velha fórmula hollywoodiana dos clichês em filmes de suspense precisa mostrar um primeiro ataque do "vilão" - que neste caso não é um ser, mas uma caracterização fantástica da dualidade homem-fera -, em takes pretensamente tensos e vigorosos. Até aí, tudo bem, afinal não se espera mais do que isso em um filme de Joe Johnston. O problema é que seus enquadramentos de cena são absolutamente péssimos, e assim será praticamente ao longo de todo o filme, com rarissíssimas exceções. Na verdade, admito que não lembro de nenhum momento cênico interessante - nem no que tange à apresentação do espaço pelo "olhar" da câmera, nem na maneira com que esse "olhar" elabora a intermediação do olhar do espectador para com o que pretende-se cinematografar e nem mesmo no uso das luzes e sombras, todas digitalmente subvertidas, ou no comportamento corporal dos atores. Johnston quer, no máximo, resolver imageticamente uma proposta roteirizada através de um enxágue visual baseado num espaço histórico remoto e numa figura imaginária que propiciará a invenção de banhos de sangue com justificável vigor. Só haverá dinamização cênica levemente funcional em instantes em que esses elementos apresentar-se-ão, às vezes concomitantemente, mas sempre enquadrados conforme a tecnologia, e não a arte, sugere (muito disso graças à sua diretora de fotografia, Shelly Johnson, péssima). Nos demais momentos, o script peca por querer coerência - esquecendo que a licantropia advém de um imaginário folclórico, sem falar na simbologia homem-fera.

Mas, enfim, o que esperar de alguém com o currículo como o de Johnston? Lembro de ter pensado enquadramentos que a imagem pobre proporcionada por Johnston parece ter ligeiramente intuído, mas o que lembrei mesmo foi o tratamento que John Landis deu ao seu clássico Um lobisomem americano em Londres (An american werewolf in London, 1981). Por que um clássico? Ora, pura e simplesmente porque seu filme é funcional dentro da proposta de cinematografar uma produção de suspense e terror licantrópicos. Os mais enérgicos dirão que ser funcional é a óbvia intenção de qualquer cineasta, entretanto, obter êxito, ou melhor, êxito artístico em tal intento, não é tarefa simples - e, para entender, basta comparar como Landis começou seu filme e como Johnston inicia o seu, e penso que é exatamente esse o aspecto elementar que tornou o filme de Landis o preferido de uma legião de fãs e o que tornará o de Johnston esquecido em pouco tempo. Outra coisa que diretores como Johnston precisam entender: terror e suspense não são ferimentos grotescos que operam uma dessacralização do corpo em satisfação a um conceito de força ou inteligência adversária desproporcional e que, assim, apenas parecem satisfazer disposições mórbidas de psiquê, mas, muito antes, uma certa lacuna entre a realidade e a imaginação, que não é preenchida e que nos repercute. Landis entendeu isso. Johnston não.



O segundo aspecto que me levou a ficar com um pé atrás em relação a O lobisomem foi a conturbada produção do longa, executada pela Universal, dona dos direitos do filme original, e pela funesta Relativity Media. O orçamento gigantesco, que ultrapassava os cem milhões de dólares, alcançou inacreditáveis duzentos milhões, algo assombroso para uma produção de lobisomens - e inacreditável, se medirmos investimento e resultado e ainda lembrarmos que John Landis não gastou 10% do valor para fazer algo muito mais eficiente nos já distantes anos oitenta. Até onde sei houve divergências criativas entre Johnston e os produtores, e isso elevou o orçamento a um nível jamais visto em uma produção como essa. Penso na obra que meu amigo André faria com essa dinheirama em mãos... E mais: um ator excepcional como protagonista: Benicio del Toro, ganhador do prêmio em Cannes por Che, de Steven Soderbergh, possivelmente ambicionado como um Max Schrek dos lobisomens. Geralmente quando o filme é modificado após o encerramento de sua produção e, por isso, atrasa em seu lançamento, o resultado não será bom. Além disso, outros atores conhecidos do grande público, como Anthony Hopkins e Hugo Weaving (que só têm uma expressão, embora até convençam), e colaboradores excepcionais (Rick Heinrichs como designer cênico, Milena Canonero como desenhista de figurino e o lendário Rick Baker como maquiador) fazem-nos suspeitar que, de fato, a Universal pretendia um filme grandioso - e os fãs devem ter perdido algumas horas de sono imaginando o que uma reunião como essa poderia resultar. Mas, como já disse, esqueceram que era Joe Johnston o diretor, e algo deve ter desagradado muito os engravatados da Universal e da Relativity Media para que tanto dinheiro precisasse ser gasto em uma produção sem maiores novidades e sem qualquer inspiração menos empírica e mais de acordo com a arte visual e argumentativa que o tema pedia, em seu folclore, e que Landis, em sua simplicidade, imortalizou há quase trinta anos atrás.

O terceiro aspecto é a irritante mania que tomou conta do cinemão americano e que se baseia em refazer filmes ou ideias que tiveram sucesso no passado, buscando nada mais que encher cofres com alguma coisa com uma probabilidade um pouco mais concreta de satisfazer os ricaços executivos americanos e suas contas bancárias. O cinema paga o pato e, como diria Gonzaguinha, tem sua bunda exposta na janela. Futuramente pretendo comentar mais sobre esse assunto.

Uma última nota: Rick Baker, que revolucionou os processos de combinação de maquiagem, movimento de câmera e edição no clássico de John Landis, teve seu talento, no máximo, homenageado, porque, convenhamos, Johnston prefere o horrendo CGI, mais caro mas mais simples.



Comentários à parte, não se esqueçam: cuidado com a lua!

2 comentários:

  1. Péssimo filme.

    Um filme que não consegui assistir em um só fôlego. Foram necessários 2 dias para digerir tamanha ineficiência de um diretor.

    Devido aos péssimos enquadramentos e não saber nem explorar de maneira eficiente os clichês, o filme causa sono e ânsia por um final breve.

    Não gostei dos efeitos especiais. Deixaram a desejar. As cenas de perseguição/ação foram péssimas.

    Eu esperava, talvez influenciado pelo cinema Romeriano, de um filme em que a casa fosse um porto seguro para os personagens, e a floresta, cidade, etc, um local de medo, de morte, de incertezas. No entanto, com o embate entre os dois personagens centrais da trama, essa pretença proteção se invertesse.

    Sei lá, eu só gostaria de me sentir inseguro nas cenas ao ar livre.

    Abraços

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  2. Obrigado pelos comentários, Jorge, muito bons! Tamanho investimento deveria ter sido orquestrado por alguém menos óbvio e mais criativo, mas a criatividade geralmente não é muito rentável, a não ser que ela obedeça a certas convenções do mercado.

    Ainda prefiro o filme de John Landis, curiosamente um comediante, mas que conseguiu um efeito muito bom de terror, brincando.

    Comentei sobre o filme em homenagem ao André e também porque quero, em breve, produzir um estudo sobre o terror. Veremos se dará certo.

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