sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Presente de grego

Não, não é sobre o Cavalo de Troia que quero discursar, mas é quase isso. Esta semana me senti como que na pele daquele troiano que descobriu tarde demais que deveria ter dado ouvidos ao adivinho da cidade. 2010 será lembrado como o ano em que os politiqueiros brasileiros tiveram a ousadia de inescrupulosamente aprovarem com agilidade histórica uma das maiores infâmias que já tive o desprazer de conhecer: um reajuste absurdamente astronômico de seus salários. E é assim mesmo que há de ser meu comentário: cheio de adjetivos, todos depreciativos.

A comparação parece moralmente indevida, mas, se calcularmos com cuidado as consequências econômicas que surgirão desse ato absolutamente voluntário, perceberemos que pelo menos umas cinquenta vezes valeria mais a pena ser vítima dos mensalões, das maletas dissimuladas, das meias encobertas e das cuecas sujas todos os meses. Impressionante que a cara dessa gente não é mais nem de pau, é, me desculpem o termo, de porra mesmo.

Imagine, meu caro leitor, principalmente você aí, que votou em um desses malandros, que, só para citar um exemplo conhecido aqui na região dos vales do Rio Pardo e Jacuí, no Rio Grande do Sul, imagine que caras como Sérgio Moraes, o Coronel dos Vales, deputado federal, que conseguiu que metade da família fosse eleita, vão arrematar mensalmente por volta de R$ 100 mil, ou mais, sem hipérboles. Isso mesmo. Se é dinheiro e facilidades sociocapitalistas que caras como ele querem, e não tenho dúvidas de que é esse o único objetivo de seus bandos, não precisam mais sonhar em ser Presidente da República, porque as Organizações Tabajara da Câmara e do Senado realizaram esse "milagreitor". E nem preciso, em meio a toda essa sarjeta, comentar o caso do Paulo Maluf, absolvido pelo "Supremo" Tribunal Federal, que não vai mais precisar superfaturar frangos. Agora ele pode comprar um frigorífico para seus afiliados todos os meses - e só espero que se afoguem com a galinhada.

Para completar o circo, o dia, ou melhor, o minuto de votação do reajuste no Senado foi o instante em que Tiririca lá foi para fazer seu primeiro número. Seu comentário foi impagável: "Cheguei na hora boa". Chegue, aprochegue e se achegue, Tiririca, porque de palhaço você é muito bom político. Aproveite.

Fechando o esgoto, assisti uma entrevista com um senador paulista, o Sr. Eduardo Suplicy, membro do PT daquele Estado, que dizia: "Acho que o reajuste condiz com toda a responsabilidade que a tarefa demanda". Perdoem, meus caros leitores, mas se eu estivesse lá perto, berraria: "Condiz com a puta que te pariu, seu capitalista travestido de socialista".

Jamais esses bandos de sem-vergonhas compreenderão que política não é profissão, nem emprego. Ah, não, mas estou enganado, não existe político ou política em Brasília, mas politicagem. Aí, sim. Sua profissão, Sr. Suplicy, fazendo aqui a nossa correção monetária, digo, humanitária, é, de acordo com a nossa Constituição dos Valores Humanos, P-O-L-I-T-I-Q-U-E-I-R-O. Assina aí, na sua Carteira de (Des)Trabalho.

No mais, meus cumprimentos aos que votaram contra. Só me resta concluir que ser politiqueiro deve se tornar a profissão mais procurada daqui em diante, e não ficaria admirado se enfiassem na exemplarmente imparcial Constituição do país a seguinte ementa (ou caput, porque é, mesmo, de matar): "a partir de hoje reeleições são direito ilimitado, valorizando as tão honradas responsabilidades as quais os nobres políticos brasileiros abnegadamente e solidariamente dedicam-se, num incansável gesto em prol do desenvolvimento do seu, digo, do nosso país". Como advertia Ulysses Guimarães, "esperem que vai ser ainda pior na próxima eleição".

Antes que seja tarde, vou obedecer àquele adivinho troiano: meu voto, a partir de agora, será EM BRANCO, até que caiam definitivamente os muros desta homérica ZONA.

"Feliz Natal a todos", que deve ter sido o comentário final da aprovação, é também o meu desejo a todos os leitores.

6 comentários:

  1. Realmente uma vergonha. Como somos capazes de ficarmos parados diante de uma situação tão absurda?
    Na Grécia atual, os cavalos de Tróia estão sendo expulsos com o mesmo material que foram feitos: a pau. Mas no Brasil... Tudo parece normal! O ENEM desmoronando, os politiqueiros enchendo os bolsos com nosso dinheiro e todos despreocupados, apenas vendo novela das oito e rindo de sua própria inércia. Tenho medo de virarmos um futuro Haití, mas ao invés de bolos de terra, restar-nos para comer apenas bolos de merda...
    Belo texto, Fabiano. Sua contribuição foi dada!!!

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  2. Muito bem! Não voto mais há exatos oito anos. Eu justifico meu voto aqui, porque meu colégio eleitoral continua sendo em POA, mas não tive o interessa de fazer a alteração. Na verdade, eu escreveria minha coluna de terça sobre este tema, contemplado por ti, mas tu já o fizeste - e com maestria. Realmente, para finalizar o ano, a vergonha é imensa!!!! Reporto-me a Maquiavel, mais uma vez, e à "virtù" a qual ele destacava. Não mais o que é 'Fortuna'! Vivendo no Brasil, ela fugiu de vez quando da invasão do Complexo do Alemão! Abraços!

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  3. Ops, "não sei mais o que é Fortuna...!" Sorry, friend!

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  4. Fica a dica para um texto que escrevi em meu blog, aliás, dois. Um fala sobre semelhante tema engendrado aqui por você e outro mais brando, faz menção, em formato de uma pretensa crônica, ao prazer de que tive ao ler um livrinho antigo de Pedro Bloch. Um abraço!!!
    Obs: Vide os links abaixo:
    http://cronutopia.blogspot.com/2010/11/cultura-de-manada.html
    http://cronutopia.blogspot.com/2010/12/as-maos-de-euridice-de-pedro-bloch.html

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  5. O texto do Felten é brilhante (como todos, aliás) ! Porém, em minha humilde opinião a questão é muito mais profunda. O valor dos salários dos deputados, mesmo com o aumento, infelizmente, não é nada. É troco de bala. Toda a máquina ao redor dos deputados, salários de assessores e todos os outros benefícios, como as passagens, fazem com que o custo de cada deputado ultrapasse tranquilamente um milhão de reais por mês. A mesma profundidade passa pelo motivo pelo qual as populações que elegem Sérgio Moraes e cia o fazem. Meus dois centavos: acreditam que ele não seja realmente trigo limpo mas não enxergam outro nome forte capaz de se eleger e trazer recursos para região. Obviamente, na mesma linha profunda em direção ao fundo do poço, ainda distante, esta mesma população deveria ser dotada de uma visão mais ampla e saber que um deputado federal deverá criar e zelar pelas leis deste País e não apenas realizarem emendas eleitoreiras que, de fato, melhoram a vida dos cidadãos, mas a que preço ? Por mais de um milhão por mês (falando-se apenas em valores oficiais) ?

    Nasci e 1982 e acompanho política desde 1989/1990, quando comentei com meu pai que a solução para o País era que os pais não registrassem mais seus filhos (a idéia era 'boa' até, sem registro a criança não existiria e assim, quando ficasse adulta, ficaria muito mais fácil montar um poder paralelo ao estado que pudesse colocar a força a ordem no País). "Tá loco guri !", respondeu pai e acho que esta frase até veio contribuir com o meu pensamento de que "para acabar com um sistema a implosão é preferível à explosão". Aplicando-o, é preciso ter lá dentro (nas câmaras e no congresso, etc) gente capaz de ter coragem de realizar esta tarefa. Quem sabe votos na extrema esquerda que, pelo fato de não ter muito a perder, poderia sentir-se mais a vontade para iniciar uma implosão assim que notasse uma bomba (de corrupção) possível de ser estourada.

    Como sempre vou estar de olho nas promessas de campanha, algumas de grande interesse nacional: desoneração da folha, educação continuada para os professores, não aumento de impostos (cmpf pra quê se cerca de dois meses depois do seu fim houve recorde de arrecadação, que apliquem este dinheiro em saúde ora !) e a própria reforma política (esta acho brabo sair especialmente se ela decretar fim do ridículo coeficiente eleitoral).

    Ademais, o que falta é alguém com fibra e uma bela pressão popular para aprovar um lei em que o aumento dos deputados seja sempre da mesma magnitude (porcentagem) do aumento do salário mínimo. A pressão popular fez com que o ficha limpa fosse aprovado. Por que não isto ?

    Pressionemos.

    -J

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  6. Brasília é de uma astúcia irritante. Em 2007, quando houve um outro reajuste, mais modesto mas nem por isso menos absurdo, houve alguma pressão popular, e a votação/aprovação do aumento ocorreu, pelo menos, com alguma incomodação. Agora, entretanto, pareceu tão simples e trivial quanto aquelas votações de Ensino Fundamental em que escolhemos o líder da turma, e isso que o novo rejuste foi, comparado com o anterior, um absurdo inenarrável.

    Não sei o que teria que acontecer para evitar estas politicagens autoritárias, mas acho que, com efeito, fazer com que a paulada recebida doa, de alguma forma, também naquele que a desfere é uma alternativa. O eco não pode ser solidário, caso contrário, todos sabemos, continuará sendo dispersado, até estourarem todos os vidros.

    Meu texto foi inevitavelmente escrito com indignação. Se eles têm tal direito, de receber o valor que quiserem, eu também tenho o direito de traduzir em verbo, como quiser, isso que, para mim, é vergonhosa sacanagem.

    Estou gostando dos comentários, e espero que continuem. Também concordo que a questão é complexa, mas, por outro lado, não parece ser para eles, e isso é um detalhe fundamental. Estão usando a máquina constitucional para satisfazer objetivos vergonhosos. O que será preciso nós usarmos?

    Retomando Thomas Morus, diria que na minha Utopia político não receberia salário, a não ser, talvez, algum valor que corresponda, na mesma medida que corresponde ao trabalhador comum, às horas dedicadas ao serviço público, com cartão ponto rigoroso. Se fizessem isso por uns dois anos veríamos, no fim das contas, quem realmente se dedica ao ofício desinteressadamente.

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