segunda-feira, 18 de abril de 2011

Aécio Neves e a política de empolação da ética

A Zero Hora desta segunda-feira, 18 de abril de 2011, foi tímida, mas interessante, quando publicou pequena matéria sobre um episódio curioso que envolveu, no mais recente final de semana, o senador e futuro candidato à presidência da República, Aécio Neves, tido por muitos como exemplarmente ético e prodigioso - certamente em função de seu parentesco sanguíneo com Tancredo Neves, ícone político de muitos.

Parado por uma blitz policial que envergava a bandeira da fiscalização pela lei seca, Aécio Neves foi duplamente autuado, em flagrante. Em primeiro lugar, seu documento de habilitação estava vencido. Aécio argumentou que se "esquecera" de renová-lo porque colocava-se ao volante esporadicamente, ou melhor, "apenas" nos finais de semana. Na hora, para resolver a situação, porquanto a lei brasileira lhe negasse o direito de guiar seu veículo sem habilitação, pagou um taxista que encontrava-se nas proximidades para levá-lo até em casa. Se o documento do veículo também estivesse vencido, teria quer ser retido e Aécio voltaria, sei lá, de ônibus. Parece que não foi o caso. Não vou me esgarçar em comentários sobre esse fato, mas, para mim, de agora em diante, o discurso político de Aécio Neves não será mais que blá-blá-blá para trouxa ouvir.

A segunda autuação foi, para ser o mais eufemista possível, como os politiqueiros gostam de ser, um atrevimento indecoroso. Como a blitz dava-se para fiscalizar o cumprimento da lei seca, os policiais estavam munidos de bafômetros, já que, se a lei diz que você só pode dirigir seco, mesmo uma molhadinha de lábio com um trago implica contrariedade à lei. Para fazer cumprir essa lei, eis o bafômetro, eis a blitz, eis a polícia. Mas, curioso: alcaponianamente, Aécio negou-se a dar uma assoprada no bafômetro, e não ficou claro o porquê - nem ficará, porque, como já disse, o que vier a ser dito será aquele blá-blá-blá. Não restam dúvidas que Aécio tomou algum traguinho, mas, como ele sabe que a mídia o persegue e que, de algum jeito, ficaria sabendo que o bafômetro acusaria esse traguinho, tal constatação poderia arruinar, para mais ou para menos, sua "imagem" política. Afinal, Aécio Neves é um prodígio ético, herdeiro de uma tradição política tancrediana, e, talvez, futuro presidente. Puxa vida, Aécio! Não alcancei ficar sem rir da cena. Pensei: "Que legal que certas cagadas tornam-se impossíveis de ficarem embaixo da cueca". Mas, na verdade, ri para não chorar.

Imaginei, depois, Platão, em sua República, há mais de dois mil anos atrás. A Ética é o bem maior da paideia, ou seja, de todo um desenvolvimento do humano em prol de um desenvolvimento cósmico de toda a pólis. É inconcebível, em meio a um pensamento ético, que um grego dê-se em hipocrisia, apenas por empolação do discurso, afinal a ética, para o grego, não era apenas um discurso: era a configuração de um viver cuja proporção é imediatamente e necessariamente coletiva. Dito isso, imagine Platão parado em uma blitz por guerreiros munidos não com bafômetros, mas com poesiômetros, que medissem a quantidade de entrega às emoções provocadas pela leitura de um, digamos, Homero. O poesiômetro detectaria alto índice de deleite e desvario em Platão, mas ele se nega a assoprar o instrumento, principalmente porque a lei tinha sido feita com base na leitura da República.
"Sua paideia foi corrompida, Platão?", reagiriam, buscando um veredito do próprio acusado, os guerreiros.

Imaginou a cena? Pois é, seria absurda, não? Mas o absurdo tem raízes profundas...


P.S.: esse texto foi escrito em homenagem à querida amiga Rosana Candeloro, que, tenho certeza, deve ter dado boas risadas desses meus comentários.



Nenhum comentário:

Postar um comentário