segunda-feira, 2 de maio de 2011

Paulo Sant'Anna: voz-matraca

Faz algum tempo já, comecei a observar esporadicamente a coluna de Paulo Sant'Anna no jornal Zero Hora. Para quem não o conhece, Sant'Anna é um ex-delegado de polícia gaúcho que, aos poucos, ganhou espaço na AM (rádio) porto-alegrense para discutir questões públicas (não tenho certeza se isso está absolutamente correto, mas, enfim, não importa). Porque motivava entre os mais afetuosos alguma ponderação, Sant'Anna foi convidado a expandir seus palcos de comentários: queria a mídia, e a mídia lhe foi dada, através de quadros rápidos de veiculação televisiva estadual e a tal coluna no jornal Zero Hora, do Grupo RBS, controlador da maioria das ações midiáticas em solo gaúcho.

Intuo duas (ou três) bases que sustentaram o andaime de Sant'Anna: a primeira, vinculada a uma representação icônica da torcida gremista. Nesse sentido, Sant'Anna, pela expressão apaixonada e declarada de torcedor de um dos principais times de futebol do estado, tornou-se, em amplo sentido, uma espécie de reverência de um culto. Teve a sorte, ainda, de consolidar-se em época em que o Grêmio sagrou-se campeão do mundo. Assim, porque manifestava-se com efusão, foi consagrado pelos torcedores gremistas como exemplar; tornou-se autoridade pela maneira ao mesmo tempo irreverente e apaixonada de se representar midiaticamente, não obstante sem elegância, para um público que se tinha restringido às ruas. De certa forma, é responsável direto pelo fervor fundamentalista que, incipiente nos anos 80, devastou-se nos anos 90, transformando a cultura do futebol em culto radical - que não é muito diferente, às vezes, das excomungadas jihads. Creio que todos os estados brasileiro têm, em seus telejornais e veículos de comunicação impressa, figuras mais ou menos icônicas ligadas a alguma esfera de alcance mais ou menos público. Sant'Anna é só um exemplo.

A segunda razão deve-se, talvez, à autoridade que lhe foi conferida pelo ex-cargo. Imagina-se que, como delegado de polícia, questões medonhas envolvendo o interesse público passaram por suas mãos, e que, dessa experiência, credita-se a Sant'Anna uma coerência elementar, idealizada a quem - e por quem - esse cargo ocupa ou ocupou, como se fosse sinonímia de responsabilidade modelar. Dessa forma, Sant'Anna tinha o que dizer, e a RBS, cada vez mais querendo provocar identificação com o popular, ao invés de assumir-se como empresa privada, colocou-o em seu jogo de representações. Sant'Anna, óbvio, como tantos outros Brasil afora, aceitou.

Parece que, hoje em dia, um terceiro tipo de autoridade reveste o ícone Sant'Anna: a velhice. Que seja aqui feita a distinção entre velhice e terceira maturidade (se bem que não gosto da expressão "terceira", como se fôssemos estagiários da existência; também não gosto da expressão "velhice", mas achei que nesse caso, dados alguns de seus sentidos em senso popular, fosse apropriada). Digamos que, para muitas pessoas, "ser velho", em geral, é ser autorizado a falar responsavelmente sobre qualquer coisa e ter, dignamente, algum ouvido e alguma consciência para ser, no mínimo, apreciado. Isso deslimita a verborragia e, em alguns casos, desrreprime o ego ornamentoso. Nesse sentido, tudo bem, afinal esse é um dado cultural surgido, aparentemente, na própria dinâmica da existência humana - e não é algo positivo, nem negativo. Sant'Anna, porém, que passou anos a fio procurando sua voz, degenerou-se em matraca, em inépcia, que é, para alguns, uma velhice degenerada. Ainda bem que ouvi-lo ou lê-lo é opção.

Além de ser uma ardente válvula de escape para um ego quase totalmente gagá, como um amigo referiu, noto em Sant'Anna uma atitude desmedida em polir uma retórica há muito desacostumada a atuar. O problema, entretanto, não é o uso de uma retórica antiga, mas o uso péssimo dessa retórica, como costuma acontecer em vários programas de apelo sensacionalista. Quer dizer, isso seria, de fato, um problema, mas Sant'Anna não sabe disso - por isso muitos estão qualificando sua pessoa como delirante, ou, sem eufemismo, como ele mesmo gosta, gagá. Graças a esses e outros aspectos, é muito difícil querer ler Sant'Anna - sempre foi, na verdade. Sua escrita, cheia de arcaísmos vãos, lapsos argumentativos, falácias degenerosas, sintaxes macaqueadas (já que ele gosta de citar poetas, também vou!), prosas pseudopopularmente relevantes e apaixonices egoicas, é, na mais solidária análise possível, um caso clínico (mais um caso, aliás, como os tantos outros que ele adora enfatizar). Além disso, seu gesto prosaico quer-se, muitas vezes, irônico, mas é eloquentemente positivista. Por essa razão, não sei se ele pode ser definido como algo mais que um retórico positivista da banalidade. Talvez por isso ninguém o analise nem o queira analisar - o que já parece querer tornar-se explícito que o irrita (ele é "a coluna mais lida", como adora repetir, hipnotizando-se de si mesmo, porque, imagino, qualquer figura idiossincrática exposta em vitrine atrai muitos olhares). Só mesmo eu, num apelo para que não tarde o dia em que fechem sua matraca, perco tempo com isso. Mas é interessante, sempre, dar uma olhada nas coisas que estão aí - principalmente as que fundamentalizam a vida, inspirando gestualidades extremas.

2 comentários:

  1. Um dos motivos que me afastam dos textos dele é que ele adora escrever parágrafos soltos, demonstrando que tem poucas ideias. Vez outra ele tem alguns lampejos, mas considerá-lo um grande cronista é uma heresia. Parabéns pelo texto.

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  2. Muito conhecimento, pouco alento. Um grande homem pensa idéias, um pequeno em pessoas. Paulo Sant'Anna sempre fará falta. Sempre! Sua coluna é interessante, fala do cotidiano, da nossa existência. Espero que sua matraca só feche quando falecer, e mesmo quando isso ocorrer, ele já estará imortalizado através de sua coluna. Muito diferente de você, seboso!

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