Gosto de falar e pensar sobre futebol, como a maioria dos brasileiros. Não sou, atualmente, um desportista, mas, acreditem, já vivi, na juventude, um bom momento como boleiro. Atuei como zagueiro durante alguns anos na escolinha do Cruzeiro, em Venâncio Aires, à época treinada pelo Noca e pelo Eldor, dois ex-jogadores profissionais do Guarani-VA. Hoje em dia a escolinha não existe mais, mas o Noca abriu negócio próprio, e aparentemente ele estabeleceu algum vínculo com as categorias de base do Guarani e, ainda, proporciona uma chance para seus destaques participarem de peneiras em outros clubes.
Quando jovem, entre os 12 e 15 anos, cheguei a ser cotado para atuar mais ou menos em nível profissional, em clube de futebol, disputando campeonatos. Jogava pela esquerda, e, sei que alguns vão achar engraçado, minha maior característica era a velocidade. Corria tão rápido que não bastava o atacante me driblar, quando conseguia, uma única vez, e partir na velocidade. Logo estava à sua frente novamente, incomodando. Não era jogador de cercar adversário. Mordia, ou, como dizem hoje em dia, entrava rasgando, sem esperar. Gostava de atuar pela esquerda, mesmo não sendo canhoto, porque geralmente o jogador adversário mais habilidoso era destro, o que o fazia cair pela ponta direita, sendo minha responsabilidade impedi-lo de desenvolver sua ofensividade. Às vezes atuava também como líbero, ou seja, fazia a cobertura dos demais zagueiros em esquema 3-5-2. Também atuei como lateral-esquerdo, mas nunca me senti muito à vontade apoiando ou criando jogadas ofensivas. Minha disposição sempre foi a de defender o time. Centro-médio, ou seja, aquele jogador que se coloca à frente dos demais zagueiros, quase um primeiro volante mais recuado, não era, também, de minha disposição. Mas enfim, poderia, hoje, estar ganhando um bom dinheiro e na iminência de ser chamado pelo Dunga, sem que, para isso, tivesse que ter qualquer estudo.
Todos sabem que, obviamente, sou torcedor do Internacional, de Porto Alegre. Aqui em casa, contudo, todos são gremistas: mãe, irmã, etc. Minha mulher também se diz gremista, embora eu pense que ser colorada condiziria mais com o seu jeito de ser e pensar o esporte. Mas meu sogro é gremista. Provavelmente houve forte influência daí. Com exceção do meu sogro, o restante não sabe nada sobre futebol, nem sobre o time que eles dizem torcer. Sabem que o Victor e o Jonas jogam no time da Azenha porque atravessam grande fase e ocupam algumas manchetes da mídia, mas mais nada. Minha mulher, porém, não sabe nem quem é o Victor. Se dizer que ele é o centroavante ela provavelmente não saberá nem a função de um centroavante. "É ele quem defende o time, né?", ela perguntará. Mas, tudo bem. Ela se tornou ainda mais gremista pelo fato de eu ser colorado, embora não admita. Mas eu compreendo, afinal existe um sabor especial em ter posicionamento oposto no esporte.
Existe ainda o que Nelson Rodrigues chamava de "complexo de vira-lata", ou seja, o brasileiro, especialmente à época da ditadura, extravasava suas agruras e vibrava em uníssono com as vitórias da seleção brasileira. Era um momento especial de alegria, compartilhado por todas as camadas sociais, mesmo com a ditadura. Assim, embora tudo em volta estivesse ruim, a vitória no futebol proporcionava a vibração da alegria. A partir desse aspecto, hoje em dia não é mais estranho certo comportamento de fanatismo em meio à torcida pelo clube eleito como "do coração", e nem é estranho que esse comportamento seja muitas vezes agressivo em relação a torcedores de outros clubes ou ao próprio clube pelo qual o sujeito torce, quando o time está atravessando uma fase de resultados ruins. Isso porque o torcedor processa esse "complexo de vira-lata" em um nível que, se antes servia como válvula de escape e congregava o povo num efeito quase catártico em relação à ditadura, hoje tornou-se praticamente um problema de ordem psicológica. O que antes era elaborado mais ou menos inconscientemente pelo povo, em meio à alegria que o esporte pode provocar, agora é acionado como um dispositivo de rivalidade. O adversário não está mais no nível da prática do esporte, mas no posicionamento do sujeito ao lado. O "complexo de vira-lata" deixou de ser um sensor coletivo e passou a ser um problema individual. Eu bato no torcedor de outro time e quebro os banheiros do estádio porque eu não posso ser sequer imaginado, em nível nenhum, inferior. O vira-lata já tem consciência de seu complexo e precisa lutar contra esse estigma, sobretudo quando ele é explicitado pela provocação ou sugerido pelo encontro de posicionamentos opostos. A mínima sensação de vira-latice precisa ser combatida - não é mais, com raras exceções, uma catarse. Pelo menos não aqui, no Brasil.
As exceções não são mais coletivas, são individuais. E os indivíduos que não correspondem a essa perspectiva de combate naturalmente se afastam do movimento das torcidas organizadas. Se Nelson Rodrigues estivesse vivo teria que criar um novo termo para se referir a essas manifestações de rivalidade, que só ocorrem no futebol. Pelo menos não lembro de serem praticadas em outros esportes - não coletivamente.
Entretanto, parece que, em se tratando da seleção brasileira, essas manifestações são reguladas por um ímpeto transcendente, que remonta àquele vivido especialmente na década de 70. Não sei como isso irá se configurar este ano, durante a Copa do Mundo, porque Dunga costuma provocar contradições na mesma medida em que geralmente as têm consegue invalidar. Pelo menos conseguiu até aqui - tal e qual Carlos Alberto Parreira, em 1994, quando, contestadíssimo, a nível de escalação e também de postura tática, trouxe para nosso país a taça de melhor seleção do mundo. Se isso não se repetir agora, em 2010, o resultado será, no mínimo, a sua demissão do cargo de técnico da seleção - o que já aconteceu com Wanderley Luxemburgo e Zagallo, embora esse último tenha a vantagem de um currículo praticamente inquestionável, e isso basta para livrá-lo de uma lista negra. Os brasileiros, contudo, o marcarão pelo fracasso, e provavelmente isso terá repercussões na maneira do brasileiro torcer - para o bem ou para o mal.
Voltarei a escrever sobre futebol em futuros posts, bem como também pretendo comentar aqui a Copa do Mundo, especialmente sobre a seleção brasileira. Amanhã sai a lista de convocados, a partir das 13h. Acho difícil surgirem surpresas na lista de Dunga, mas não improvável. Sabe Deus como Dunga pensou a seleção desde o último amistoso e a partir dos jogos que se desenvolveram nos últimos tempos, em que os jogadores atuaram. Pode ser que surja, inesperadamente, uma aposta - como fez Parreira em 94, ao convocar Ronaldo. Mas creio que Dunga é ainda mais ortodoxo que o tetracampeão. Já lanço aqui uma possível reflexão que o técnico pode estar considerando como um critério para a lista: "Sempre fui contestado, e o brasileiro é naturalmente contestador, no que concerne ao futebol. Todavia, até aqui, mesmo contestado, consegui obter bons resultados em competições, às vezes sem um padrão de plena satisfação, o que é normal e é possível de ser corrigido, em alguns aspectos, com treinamentos. Tenho que fazer uma escolha. Então vou optar por manter esta linha de trabalho e, quem sabe, conseguir mais um bom resultado: a Copa do Mundo. Portanto, só vou convocar quem eu já conheço ou conheci no ambiente dos treinos, do vestiário e da concentração. Os demais, que não foram convocados, certamente terão chances vindouras. A questão principal será pensar a preparação e o treinamento".
Se eu estiver certo, não haverá surpresas nem apostas, portanto. E, se eu estiver mais ou menos certo em relação à reflexão que presumo que Dunga esteja seguindo, devo admitir que ele não está completamente equivocado, afinal, ele precisa realmente fazer uma escolha, independente de qualquer juízo amador ou midiático. Essa escolha é ela mesma a aposta. Entretanto, ele precisa também verificar a atual configuração da qualidade do grupo que imagina ideal, e, para tanto, precisa pensar certos jogadores individualmente, mesmo que sua meta seja prepará-los coletivamente. Ir do indivíduo ao coletivo: essa é a dinâmica fundamental do futebol. E, nesse âmbito, penso que há jogadores que, se convocados, mesmo que num outro momento foram de certa forma efetivos, já não são mais capazes de exercer essa dinâmica melhor que alguns outros. Esses - alguns momentaneamente vivendo um primor técnico -, se não convocados, terão seu talento desperdiçado. Dunga pode apostar, mas desperdiçar parece tolice, embora tudo indique, em sua filosofia de trabalho, que o que precisava ser renovado já teve o seu momento para acontecer. Veremos.
Amor! O que é isso?! Expondo minha (falta de) cultura futebolística... Perdoarei porque dei boas risadas.
ResponderExcluirFabiano, hein??? Como sempre inteligenterimo. Bom, nao entendo muito, ou praticamente nada sobre filmes e futebol, mas venho aqui parabenizar pelo seu Blog, que ficou muito bom e contribuira com toda certeza para o conhecimento de muitos que curtem o artigo escrito de fato. Parabens!!
ResponderExcluirPaula Oldenburg.
Oi, Paula! Obrigado pela sua visita e seu comentário. Queremos escrever livremente sobre diversos assuntos, e esperamos que, cada vez mais, os leitores participem. Sei que costumo ligeiramente adensar certas discussões mais simples, como futebol, por exemplo, mas é apenas uma questão de estilo pessoal e não necessariamente significa uma estética do blog. Com o tempo, novos assuntos serão desenvolvidos.
ResponderExcluirEspero que continues acompanhando o blog! Abração!