terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Contar cantando*

Ouvir histórias durante a infância é uma experiência que, em geral, fica marcada e repercute em nossa vida afora. As memórias remetem não somente às narrativas, mas àquele clima de conforto e aconchego que normalmente sentíamos quando estávamos envolvidos afetivamente com a figura que pacientemente compartilhava suas histórias vividas, inventadas, ou lidas, sem alguma razão especial, para simplesmente entreter, compartilhar e nos confortar.
Há algum tempo me dei conta de que um elemento marcante em minha vida fora engendrado já nesse período das histórias contadas. E nesse caso, havia algo de especial: as histórias em minha vida, mais que contadas, foram cantadas. Curioso também é o fato de que eu ouvia mais canções do que cantigas: a mãe cantava para embalar meu sono as suas preferidas do Caetano, do Tim Maia, da Gal Costa; o pai me convidava a ouvir Chico Buarque, cantando na história do Curumim, e no rádio; na época ainda podíamos ouvir no rádio o que chamavam de MPB (Música Popular Brasileira). Meu gosto por boa música brasileira começava a se desenvolver antes mesmo que eu pudesse reproduzir corretamente as palavras das canções que eu ouvia.
Um gosto que foi cultivado durante o período de adolescência, quando, já emancipada do suporte dos contadores e cantadores da família, passava as tardes ouvindo as fitas cassete que eu mesma gravava. Ali ocorreram minhas grandes descobertas poéticas, nas narrativas do Chico, nas imagens do Caetano, na emoção da interpretação da Elis Regina. Eu queria cantar também. Eu queria ouvir mais e mais.
Os sons me marcaram e constituíram desde aquele período, compondo a mescla cultural que integra hoje o conjunto das minhas experiências estéticas. A canção brasileira foi a grande fonte do meu letramento. Hoje, junto ao grupo de pesquisa Estudos Poéticos, tenho a oportunidade de pesquisar sobre esse gênero que tanto me fascina e que me mantém cativa até nossos dias. Desde que projetei meu futuro como professora de Português, via a canção como um texto fundamental para as aulas.
Feliz estou em saber que o Referencial Curricular elaborado pelo Programa Boa Escola para Todos inclui a canção como um gênero importante a ser levado para as salas de aula. Espero que nossas crianças cada vez mais ouçam e cantem as boas músicas do Brasil.
*Texto publicado no jornal Gazeta do Sul, em 23 de fevereiro de 2010.

2 comentários:

  1. Lindo! A forma como tu arquitetáste as imagens e deslubres de infância, suas infulências e verdades sobre a música, são muito prazerosos de se ler. Parabéns, belo texto Aninha!

    Ass: Dilso

    ResponderExcluir
  2. Oi, Dilso. Gostei de saber que tu estás acompanhando o blog. Obrigado, amigão. A gente se vê na UNISC.

    ResponderExcluir