quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Koh Pee Pee realmente é tudo o que dizem

Eu e minha mulher somos dois amantes da boa gastronomia. Valorizamos bastante o prazer de comer. Podemos dizer que somos adeptos da cultura gastronômica francesa. Os franceses, diferentemente dos brasileiros, não comem com o objetivo de saciar a fome ou encher a barriga. Comer, para eles, é quase um ritual, que envolve prazer, durante o ato, e, após, a sensação agradável da satisfação. Para muitos isso significa excesso de requinte. Talvez sim, em muitos casos, mas não no nosso, posso garantir. Gostamos de proporcionar ao nosso corpo e à nossa alma momentos em que comer seja um ato tão amplo quanto estar experienciando uma obra de arte. Claro que isso não implica necessariamente ir a um determinado restaurante, administrado por um chef conceituado, mas às vezes isso pode ser uma opção agradável - além de significar, também, um passeio, em que você vai para conhecer um lugar, se descontrair e estar em contato com mais pessoas. Sem falar no romantismo, claro.

Há muito tempo fazia parte dos nossos planos conhecer o famoso Koh Pee Pee, restaurante tailandês de Porto Alegre. Primeiro porque somos apaixonados pela culinária oriental asiática; segundo porque ficamos curiosos com a fama do lugar, indicado por diversos gourmets e vencedor de inúmeros prêmios, inclusive como o lugar que serve a melhor comida da capital. Os únicos empecilhos eram a disponibilidade de ir a Porto Alegre e uma certa insegurança quanto à circulação automotiva dentro de Porto Alegre, cuja dinâmica de trânsito todos sabemos que é um tanto caótica. Se você errar o caminho pode ser difícil conseguir corrigir o deslocamento, e tínhamos receio de, à noite, estando nessa situação, terminarmos perdidos e expostos aos perigos da noite porto-alegrense.

Estando eu com uma disposição descomunal para dar um fim a essa insegurança, que no fim das contas poderia se revelar improcedente, visto que confio no meu senso de direção ao volante, estudei, através do Google Earth, o traçado até o restaurante, e descobri um jeito muito fácil de chegar até lá. Iríamos mais cedo e passaríamos o dia no shopping Bourbon Country, localizado às costas do Iguatemi, na Nilo Peçanha. Já estávamos acostumados a cumprir esse trajeto (em uma ocasião havíamos ido até o shopping para assistir o show do João Bosco, cantor, compositor e instrumentista brasileiro, que ainda terá seu post), e verifiquei que o deslocamento, do Bourbon Country até o Koh Pee Pee, era bastante simples, com referências muito fáceis acerca das conversões que deveriam ser feitas. Bastava seguir pela Nilo Peçanha no sentido Sul até que ela desembocasse na Protásio Alves. Chegando à Protásio, seguir à direita e convergir novamente à direita quando no primeiro viaduto. À margem direita do viaduto haveria uma ruazinha que conduziria até a avenida Goethe. Depois era só manter-se à direita na Goethe e prestar atenção quando uma outra ruazinha surgisse com uma acentuada curva em sentido horário. Pronto. Ao cumprir a curva já era possível notar uma equipe de manobristas dispostos exatamente em frente ao restaurante.

A primeira impressão do Koh Pee Pee, além da constituição visual do espaço, foi o aroma que nos recepcionou, quase indescritível, não fosse o frescor do cheiro exalado pelos camarões. Escolhemos uma mesa, no primeiro piso, já salivando, e nos preparamos para a escolha do drink. Optamos pela nossa bem-aventurada caipirinha, mas com uma diferença: a caipirinha Koh Pee Pee. Curiosos perguntamos ao garçom, que muito educadamente nos atendeu e nos serviu durante o jantar, o que havia naquela caipirinha que a fazia digna de ser diferenciada das demais e ser batizada com o nome do estabelecimento. Explicou ele que a diferença resumia-se à cachaça artesanal, fabricada na Serra, e o açúcar. Açúcar? Isso mesmo, o açúcar de palmeira, que tanto nos intrigava quando saboreávamos o cardápio disposto no site do restaurante. Açúcar de palmeira. Pensei muitas vezes na forma com que ele era produzido e me arrependo de não ter perguntado. Imagino que ele se constitua em uma espécie de calda adociçada extraída da palmeira. Indagações à parte, quando investi o primeiro beberico, fui quase fulminado por uma intensa sensação de prazer. A melhor caipirinha que já provei, disparada. Se você visitar o lugar, não deixe-se intimidar pelo preço. A dose é generosa e o sabor vale cada centavo.

Depois dessa experiência, lembro de tentar antecipar o que talvez poderia ser o sabor das comidas, até porque o restaurante começava a encher, os pratos começavam a ser preparados e um conjunto impressionante de aromas tomava conta do ambiente. Eu e a Aninha, tão ou mais imberbe que eu, passamos, então, a discutir sobre o que comeríamos. Decisão muito difícil, por sinal. Líamos os ingredientes dos pratos, espiávamos os pedidos alheios, que os garçons desfilavam ao nosso redor, exalando os mais exóticos perfumes culinários que já havíamos experimentado. Decidimos que pediríamos dois pratos, compartilhando-os, a fim de que pudéssemos ter pelo menos duas provas diferentes. Pois posso dizer que, de fato, foram duas provas completamente diferentes umas das outras.

Começamos com o "Pattaya Ka-Rhee", uma caldeirada de frutos do mar regada com um molho à base de pasta de curry amarelo, com cogumelos, pimentão, manjericão doce e guarnecida com arroz thai jasmim. Esperamos um pouco mais de cinco minutos, isso mesmo, cinco minutos, pelo prato. Aliás, os pratos são todos preparados em panelas wok, sobre a chama intensa de um fogão disposto junto à area do restaurante, ao vivo. Uma ótima ideia, na medida em que podemos assistir ao show dos chefs enquanto preparam os pedidos, admirando o processo e saboreando os aromas, que adensam o ambiente numa conjunção única. O prato nos surpreendeu bastante, sobretudo pelos incalculáveis sabores que surgiam ao nosso paladar. Lembrava muito receitas da culinária chinesa, mas com uma presença de temperos e especiarias ainda mais marcante. O curry amarelo, já conhecido do nosso paladar, teve uma presença prolongada à extensão dos demais sabores, e a suculência das carnes estava tomada pela potência dos aromas: camarões, peixes, lulas e polvos deliciosos.

O segundo prato, o "Kaeng pla", foi um legítimo manjar de reis. Impossível descrever a maravilha do sabor. O prato é servido com uma simplicidade notável, em uma discreta mas belíssima louça de porcelana. Trata-se de filés de peixe mergulhados em um molho à base de curry vermelho, leite de coco natural e açúcar de palmeira, guarnecido com arroz thai jasmim. Difícil falar sobre esse prato, elaborado de maneira excepcional. Só consigo dizer que a picância, embora ligeiramente acentuada, conseguia, incrivelmente, entrar em harmonia perfeita com os demais ingredientes, entre eles um capim-limão, que conferia ao todo uma finalização de sabor extraordinária. Além disso, o até então desconhecido curry vermelho, bastante picante, mostrou-se com um sabor muito diferente da sua versão amarela, o que foi uma grande surpresa. Enfim, um prato para ser lembrado.

Para finalizar, a sobremesa, o "Tub tim grob", ou, amêndoa da flor de lótus, com calda de açúcar de palmeira, lichias e leite de coco natural. Sem palavras. Basta dizer que trata-se da mais delicada ideia de sobremesa que já experimentei, utilizando, para tanto, ingredientes tão exóticos quanto surpreendentemente simples. Confesso que foi uma das maiores surpresas gastronômicas que já tive, principalmente porque, como qualquer um que ler os componentes da receita, esperava um sabor de algo no mínimo orgiasticamente peculiar. Uma curiosidade: durante alguns instantes saboreei a expressão da Aninha, que foi a primeira a provar: parecia ter sido inesperadamente arrebatada. E fui eu também.

Cabe salientar que a maior parte dos temperos e especiarias que fazem parte dos pratos do Koh Pee Pee são cultivados e produzidos pelo próprio restaurante, em lugar específico, o que confere às criações dos chefs uma autenticidade difícil de ser igualada, ao mesmo tempo em que produzem uma legitimidade quase poética ao conjunto aromático das criações da casa.

De negativo apenas o intenso volume de sons dentro do restaurante. Não que os frequentadores estivessem abusando da altura de suas vozes, mas acho que, em função do espaço ser mediano, em termos de tamanho, a proximidade das mesas tornava a captação do som das vozes mais branda. Uma pena. Comida tal deveria ser saboreada em silêncio, com reverência. Não só a quem preparou, mas à alma, que fica feliz quando nos damos momentos assim.

E lamentamos não ter levado uma máquina fotográfica para registrar o momento. Fica para a próxima.



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