segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Música e cinema: uma brevíssima introdução

Não consigo alcançar com a memória o exato instante em que a música me tomou. Sei apenas que isso aconteceu muito cedo em minha vida, talvez antes mesmo de eu nascer. Provavelmente antes mesmo de eu nascer. Conta minha mãe que, em silêncio, embalava o ventre gestante à meia luz e ao som de alguma canção. Não tenho dúvidas que isso foi fundamental para mim, e sempre agradeci. Mas não lembro quando a música ganhou a luz da minha consciência, porém posso dizer que as canções dos anos setenta e oitenta tiverem participação importante (era o que minha mãe ouvia, no rádio, no toca fitas, depois no toca CD), embora eu tenho quase certeza de que foi a música original de cinema que me fez ter consciência da música. Não em sua totalidade, claro, mas em seus aspectos mais singelos.

Minha relação com o cinema é bastante antiga. Naquela época eu ainda não tinha maturidade para compreender profundamente um filme, e me contentava muito assistir cinema de gênero, especialmente o terror e a aventura. Aliás, se há um cinema de gênero que até hoje eu gosto é o cinema de terror. Mais por essa ligação imparcial com minha infância do que pelos conceitos fílmicos. Embora eu gostasse muito de assistir filmes, ou seja, ficasse fascinado com os aspectos visuais, os quais mal podia ainda elaborar, um elemento cinematográfico sempre emergia com um grande poder poético: a música. Eu jamais assisti um filme sem também ouvi-lo. Lembro com empolgação da primeira música de cinema que me marcou densamente na infância: o tema de abertura "Elora Danan", composto por James Horner para o filme Willow. Gravei a cena em que a música tocava numa fita cassete para poder ouvi-la quantas vezes quisesse - e a ouvi inumeráveis vezes, independentemente se haviam diálogos e ruídos interpondo-se ao som da composição. Fiz a mesma coisa com outros filmes - até o dia em que surgiu o Compact Disc, os anos passaram e eu descobri como adquirir CDs em uma loja especializada, a Always Discos, de São Paulo. Comecei, então, a colecionar trilhas sonoras de cinema, com um rigoroso critério de seleção. Entretanto, bem antes de comprar o primeiro CD eu já havia ficado impressionado com a música clássica, e a música já começava a se desvelar para mim em um aspecto bem mais profundo - mas isso já é assunto para um outro post.

Durante muitos anos colecionei e ouvi incontáveis vezes as trilhas sonoras com música original instrumental. Não é do meu gosto as famosas "colchas de retalho" que muitos compositores de cinema, hoje, são obrigados a fazer ou fazem por gosto. Me refiro às canções pops, geralmente muito ruins, que permeiam as produções atuais, especialmente as norte-americanas, preenchendo espaços que o compositor não conseguiu preencher porque não teve tempo, ou inspiração, ou porque algum produtor julgou que era necessário para atrair determinado tipo de público. Francamente, considero isso lamentável. Hoje em dia, aliás, está cada vez mais difícil encontrar um grande trabalho musical no cinema. Outro dia, por exemplo, enquanto assistia Avatar, de James Cameron, no cinema 3D, em Porto Alegre, cuja música original foi composta por James Horner, percebi uma grande oscilação entre bons momentos, com belos acordes, e outros bem, digamos, inferiores. De qualquer forma o trabalho de James Horner nesse filme foi bastante superior ao que ele tinha feito na parceria anterior com Cameron, Titanic. Mas não a ponto de me entusiasmar, infelizmente.

Tenho talvez um pouco mais de cem trilhas sonoras de cinema. Há alguns anos parei de comprar, principalmente pela superficialidade da música. Não posso deixar de notar que isso talvez tenha sido resultado de uma aprimoração do meu ouvido, prazerosamente submetido, nesses anos todos, a horas e horas de imersões do gigantesco universo da música clássica, sobretudo a chamada música antiga - medieval, renascentista e, alguns ainda incluem, barroca. Ainda há trabalhos que me agradam bastante, e outros que ainda quero adquirir. Posso citar o trabalho de Basil Poledouris em Conan, o bárbaro, por exemplo, o qual considero magistral. Ou ainda as invenções melódicas de James Horner em Coração valente. Ou o excepcional trabalho de John Barry em Dança com lobos. Também gosto muito dos trabalhos de Jerry Goldsmith, que eu carinhosamente chamo de "meu veinho", Bernard Herrmann, o compositor do Hitchcock, um mestre na conjugação entre imagem e música, entre outros. Há ainda um trabalho realizado por Zbigniew Preisner para um filme chamado Coragem e esperança, originalmente The island on bird street, que há muito tempo quero adquirir mas que, até onde minhas pesquisas sabem, não existe disponível para comercialização, nem o filme, nem a música.

Música e cinema. Esse é um assunto muito caro para mim. Pretendo, vez em quando, retornar a ele. Buscar reproduzir musicalmente uma imagem ou evocar sonoramente algo visual, ou implicitamente visual, é um trabalho que eu admiro muito. A música para cinema, seja superficial ou não em sua maioria, terá para sempre um lugar especial em meu corpo, em minha casa, em minha alma. Que bom que o cinema cria essa possibilidade de compositores compartilharem os sons de seus corações. Que continue assim. Vida longa à música e ao cinema!

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