terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

O personagem perdido



Essa é para agradar aos fãs. Recentemente tomei a liberdade de iniciar uma leitura descompromissada do livro O símbolo perdido, de Dan Brown. Nunca havia lido nada desse autor, nem mesmo O código Da Vinci. Assisti os dois filmes adaptados das obras, incluindo Anjos e demônios, e foi só. Não gostei dos filmes, ambos dirigidos por Ron Howard, um diretor que, convenhamos, é muito fraquinho. Não que as obras de Dan Brown sejam um bom parâmetro para analisar a capacidade de um cineasta em adaptar um material literário, mas creio que Ron Howard é tão sutil e denso como Dan Brown, então, no fim das contas, foi um bom casamento. Nem vou comentar a presença de Tom Hanks, amigo de longa data de Howard, mas devo dizer que, lendo, é muito difícil dissociar a imagem de Robert Langdon da de Tom Hanks. Embora eu considere esse um ator com limitado alcance expressivo, o que o torna não mais que regular, é difícil desconsiderar que ele tenha carisma, o que o torna aceitável, empático talvez, o típico boa pinta de Hollywood, quase, ironicamente, um símbolo do líder da típica família americana cuja estrutura afetiva é aparentemente exemplar. No fundo acho que ele é, na verdade, um ator superesperto - ele sabe se deixar filmar pelo cinema americano -, mas isso já é assunto para um outro post, talvez.

Vamos falar no tal símbolo perdido. O enredo, como todos já devem saber, envolve a Maçonaria, ou a Maçonaria Francesa, se preferirem. O objetivo de Dan Brown é elaborar uma narrativa intrigante, repleta de referências criptográficas e históricas, seduzindo o leitor a acompanhá-la freneticamente até o que se promete como inimaginável clímax. Imagino que tenha sido mais ou menos isso que o levou a produzir histórias e a publicá-las. Pelo menos creio que tenha sido isso que cativou tantos leitores pelo mundo. Todos sabemos que essa é uma fórmula quase infalível para vender, ganhar muito dinheiro, com literatura, ainda mais quando promete revelar detalhes insondados de sociedades secretas e símbolos incrustados a olhos vistos - mas até então despercebidos. O que resta é ter um bom pano de fundo e saber montar a estrutura da narração com engenho, de modo a alcançar plenamente - ou se crer alcançando plenamente - aquele objetivo inicial. Não li os outros livros, e talvez até leia algum dia O código Da Vinci, mas com base no que disseram as pessoas que leram, fica evidente que Dan Brown elaborou uma estrutura e a transformou em sua fórmula de escritor, repetindo-a e tornando-a uma marca pessoal, muito embora temos que considerar que ele não teve uma ideia original, baseando-se em muitos outros escritores, entre eles alguns precursores dessa fórmula de suspense enredado, como Agatha Christie e Arthur Conan Doyle, só para citar os mais populares.

Devo admitir que, num primeiro momento, e em alguns outros momentos, a fórmula de Dan Brown provoca, digamos, uma euforia no leitor, que, seduzido por certo engenho, já referido, quer desvendar o mistério que o autor vai apresentando. Para tanto, a tática do escritor é muito boa, diga-se de passagem: transformar a estrutura de romance em uma estrutura de novela. Com uma diferença: não há uma unidade de ação em cada capítulo que possa se manter independente, como acontece, por exemplo, nas novelas de Autran Dourado. Ou seja, Dan Brown elabora capítulos sugestivos e sempre com um encerramento que deflagra algum elemento que parece se revelar substancial para um desvelamento mais amplo. Em outras palavras, o que melhor ele faz é a costura desses capítulos curtos - capítulos novelescos -, que, alimentando uma certa ânsia no leitor interessado, a cada final, promovem ou tentam promover uma leitura quase de ato contínuo. Ou seja, trata-se de um romance, no fim das contas, com um princípio estrutural novelesco.

Na trama - prometo evitar quaisquer spoilers - Robert Langdon, simbologista de Harvard, envolve-se com o desaparecimento de um grande amigo, poderoso mestre da Maçonaria Francesa. O sujeito por trás desse desaparecimento representa o vilão, que busca um lendário local onde estariam armazenados os "Antigos Mistérios", ou, o conhecimento secreto de todos os tempos, capaz de conferir poderes sobre-humanos a quem o possuir. A localização desse segredo, acredita, é protegida por membros do alto escalão da Maçonaria, que a mantém em sigilo mas a mapearam através de uma série de códigos maçônicos. Sob a ameaça de nunca mais rever o amigo, Langdon é forçado a participar da decifração desse mapa. A situação piora quando surge o intrometimento da CIA, misteriosamente considerando a situação como de segurança nacional.

Curioso que o que deveria ser o elemento catalisador de todo esse processo de mergulhar o leitor em uma trama repleta de mistérios é, na verdade, um elemento que problematiza sobremaneira a proposta de Dan Brown: o protagonista, Robert Langdon, cuja inverossimilhança, em diversos momentos, extrapola e chega a beirar o ridículo. Em primeiro lugar, mesmo sem ter lido as outras obras em que ele aparece, mas sei disto porque assisti os filmes, nada sustenta o irritante ceticismo de Langdon. Seu discurso insiste no caráter mítico de diversos elementos, entretanto não acho que alguém que tenha, como foi elaborado nas outras obras, descoberto a descendente direta de Jesus Cristo, que ele também acreditava não passar de um mito, tenha tido tamanha desconsideração aos fatos de uma experiência passada, de uma experiência vivenciada,  para nem mesmo levantar uma pequena possibilidade de, mais uma vez, os fatos talvez terem um outro tipo de caráter que não esse que vai de encontro aos seus tão valorizados princípios acadêmicos. Ou seja, para Dan Brown parece que Langdon, além de cético, é burro, o que problematiza, inclusive, seus tais conhecimentos descomunais no que tange à simbologia, fazendo-os, a certa altura, indignos de crédito, até porque muitas vezes não é Langdon quem resolve os problemas criptográficos: a solução é engendrada fora dos circuitos nucleares do que se presume a inteligência da trama, envolvendo a estrutura que se ergue para a resolução do mistério central em uma sensação de que tudo aquilo é, o tempo todo, absolutamente desprezível, mais ainda do que se fosse um pastiche de gênero. Sendo assim, para que existir alguém como Robert Langdon? Isso tudo não o torna mais verossímel, apenas mais estúpido. Mas o pior de tudo é que parece que esse não foi o objetivo de Dan Brown. Na verdade, parece que tudo foi pretexto para o autor desenvolver uma teoria - que não é sua - acerca de uma consciência mais divina - que o leitor mais corajoso a ler entenderá através dos pressupostos de uma tal "ciência noética", que Dan Brown descreve.

Quando lançarem o filme - que já está em fase de roteirização - comento mais sobre o livro. Ainda quero falar sobre o estereótipo de símbolo que o autor incute. Mas, de momento, vamos deixar assim, até porque não quero revelar nada sobre o "mistério" de O símbolo perdido e depois ser execrado pelos leitores mais entusiasmados, aos quais recomendo o livro que, como leitura descompromissada e descontraída, funciona bem.


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