A pedido do nosso leitor e amigo Jorge, elaborei uma lista com os ganhadores do Oscar de melhor filme de 2000 até 2005. Fiz também alguns comentários.
2000
Vencedor: Beleza americana (American beauty, 1999), dirigido por Sam Mendes, que também levou a estatueta de melhor diretor.
Trata-se mais de um novelão americano do que de um filme. Uma típica produção para que os americanos possam dormir um pouco mais em paz com a consciência, na medida em que o filme, em não sendo analítico, mas antianalítico, proporciona certa ilustração de sossego. Paradoxal, contudo. Lembremos que esta é a época de Bill Clinton e suas próprias spice girls.
O mais interessante seja talvez a homenagem - ou cópia descarada - a Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, através de seu defunto-narrador.
Concorreram com o filme: Regras da vida (The cider house rules, 1999), de Lasse Hallström; À espera de um milagre (The green mile, 1999), de Frank Darabont; O informante (The insider, 1999), de Michael Mann, e O sexto sentido (The sixth sense, 1999), de M. Night Shyamalan.
O melhor com certeza foi Tudo sobre minha mãe (Todo sobre mi madre, 1999), de Pedro Almodóvar, ganhador do prêmio de melhor filme estrangeiro. Muito superior a qualquer um presente nas principais disputas. Entre os que disputaram, talvez O informante, de Michael Mann.
2001
Vencedor: Gladiador (Gladiator, 2000), dirigido por Ridley Scott. Quem levou o prêmio de melhor diretor foi Steven Soderbergh, por Traffic (Traffic, 2000). Aliás, este parecia ser o ano de Soderbergh, que também fez sucesso com Erin Brockovich (Erin Brockovich, 2000), que deu o Oscar de melhor atriz para a bonitinha Julia Roberts.
Gladiador é superestimado. Uma fórmula épica retirada de produções consagradas, como Ben-Hur, de William Wyler, e Spartacus, de Stanley Kubrick, algumas modificações em termos de estrutura narrativa e... pronto. Injete mais de cem milhões e você tem um filme de época no limiar da badalação. Começava aí a parceria irritante de Ridley Scott e Russell Crowe, que venceu como melhor ator. Uma das piores parcerias que já vi, absolutamente insossa. Tudo que Scott consegue é produzir e firmar como gênero vagabundo um lugar-comum épico - e ser reconhecido como um dos maiores publicitários do cinemão americano. Detesto cinema de panfletagem, e por isso não vejo nada de bom nesse filminho de quinta categoria. Ou melhor, talvez o que reste nessa produção seja justamente a sinceridade com que Ridley Scott expõe seus panfletos. Interessante que Scott começou sua carreira com um bom filme: Os duelistas (The duelists, 1977), seu melhor trabalho até hoje.
Concorreram com o filme: Chocolate (Chocolate, 2000), de Lasse Hallström; O tigre e o dragão (Wo hu cang long, 2000), de Ang Lee; Erin Brockovich (Erin Brockovich, 2000), de Steven Soderbergh, e Traffic (Traffic, 2000), também de Steven Soderbergh.
De todos esses filmes gosto de O tigre e o dragão. Aliás, gosto muito do chinês Ang Lee, que naquele ano venceu na categoria filme estrangeiro. Em O tigre e o dragão Lee soube, à moda antiga, um tanto hitchcokiana, encher nossos olhos com beleza visual através de uma narrativa deliciosa. Um primor de filme no estilo fantástico de capa e espada.
2002
Vencedor: Uma mente brilhante (A beautiful mind, 2001), dirigido por Ron Howard, também premiado como melhor diretor.
Era tudo o que Ron Howard sempre quis: um Oscar. Trata-se de um cineasta-signo emblemático de Hollywood - o chamado "artesão" da indústria. Pseudoartesão, diga-se de passagem. Howard fez tudo o que a receita pedia para conquistar o badalado prêmio máximo da indústria americana - e com propriedade. Entretanto, o filme não passa de um dramalhão boboca com um argumento tão denso quanto um pires, já desvelado pelo espectador mais sagaz em seus dez minutos iniciais. Temos, portanto, míseros dez minutinhos de cinema. O resto é aquela mensagem há muito clichê sobre o sujeito com problemas mentais que consegue suplantar as adversidades sociais com absoluto sucesso, tornando-se quase mítico (vide Forrest Gump). Contudo, impossível negar que Howard manipula essa expectativa de argumento com mais habilidade que quase todos os outros cineastas americanos - e com homenagens ralinhas a outros diretores de seu agrado, como Samuel Fuller. Por isso ele sempre é chamado para esse tipo de produção - que, convenhamos, são chatas pra dedéu e nada têm a ver com o que pode essencialmente representar o Grande Cinema (vide Fellini, Antonioni, Bergman, Resnais, Kiarostami, Tarkovsky, Murnau, Visconti e tantos outros).
Concorreram com o filme: O senhor dos anéis: a Sociedade do Anel (The lord of the rings: the Fellowship of the Ring, 2001), de Peter Jackson; Assassinato em Gosford Park (Gosford Park, 2001), de Robert Altman; Entre quatro paredes (In the bedroom, 2001), de Todd Field, e Moulin Rouge (Moulin Rouge, 2001), de Baz Luhrmann.
De todos os filmes gostei muito de Terra de ninguém (No man's land, 2001), do diretor bósnio Danis Tanovic, que venceu como filme estrangeiro. Aliás, recomendo para quem ainda não assistiu. Um belíssimo filme. Também gostei de O fabuloso destino de Amelie Poulain (Le fabuleux destin d'Amelie Poulain), de Jean-Pierre Jeunet, e do já citado Assassinato em Gosford Park, que, diga-se de passagem, nada tem a ver com Agatha Christie, embora o nome brasileiro suponha um argumento a la Poirot, e dá um banho de crítica em relação a filmes como Beleza americana.
2003
Vencedor: Chicago (Chicago, 2002), dirigido por Rob Marshall. Na categoria melhor diretor venceu, merecidamente, Roman Polanski, por O pianista (The pianist, 2002).
Chicago não é um musical ruim. Na verdade, provavelmente seja o melhor musical tipicamente americano feito em anos - por isso foi escolhido vencedor. Entretanto, Marshall não é um cineasta. Trata-se de mais um protegido de Steven Spielberg - como já fora Sam Mendes. O fato de não ser cineasta de mão cheia talvez explique a perda da estatueta de melhor diretor, mas também não justifica sua predileção em detrimento de um mestre como Polanksi, embora O pianista não seja seu melhor trabalho. Contudo, O pianista talvez seja o filme sobre a Segunda Guerra Mundial mais brilhantemente pensado nos últimos tempos, tanto que recebeu a Palma de Ouro, em Cannes. Polanski faz um filme devidamente transparente. Sua estética em nenhum momento tenta evocar sentidos mais contudentes que as imagens em si, e isso foi genial, sobretudo em época em que filmes nesse estilo seguem um caminho absolutamente oposto, como A lista de Schindler e O resgate do soldado Ryan, ambos de Steven Spielberg, que não sabe narrar nada sobre a tenebrosa guerra sem o imediatismo da contundência, operado sempre com pretensão de vigor emocional. Polanski consegue, inesperadamente, fazer uma obra-prima, por isso desde já digo que era ele quem deveria ser premiado neste Oscar que tantas vezes consegue ser ridículo em sua proposta de agraciar os filmes que consideram como melhores trabalhos.
Concorreram com o filme: Gangues de Nova York (Gangs of New York, 2002), de Martin Scorsese; O senhor dos anéis: as duas torres (The lord of the rings: the two towers, 2002), de Peter Jackson; The hours (As horas, 2002), de Stephen Daldry, e O pianista (The pianist, 2002), de Roman Polanski.
Curiosidade: na categoria de melhor animação venceu A viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no kamikakushi, 2001), de Hayao Miyazaki, que conquistou o Urso de Ouro, em Berlim. Uma obra-prima indescritível. Talvez a melhor animação de todos os tempos, que mereceria ganhar tudo se o mundo fosse menos convencional. Esse sim, de maneira especial, superou qualquer filme feito naquele ano - porque é diferente de tudo o que já se pensou em termos de animação, bem como apresenta uma funcionalidade no que concerne à estética visual e narrativa da animação que é digna de figurar no topo da história do cinema animado. Ouso inclusive dizer que é o Cidadão Kane das animações. Extraordinário filme, que todas as crianças - e adultos - precisam assistir.
2004
Vencedor: O senhor dos anéis: o retorno do rei (The lord of the rings: the return of the king, 2003), dirigido por Peter Jackson, que abocanhou também o prêmio como melhor diretor.
Inexplicável premiação. O filme é, em linhas gerais, péssimo enquanto cinema, e nada, a meu ver, absolutamente nada, ou seja, argumento algum explicaria a sua vitória. Sem comentários.
Concorreram com o filme: Sobre meninos e lobos (Mystic river, 2003), de Clint Eastwood; Seabiscuit: alma de herói (Seabiscuit, 2003), de Gary Ross; Mestre dos mares: o lado mais distante do mundo (Master and commander: the far side of the world, 2003), de Peter Weir, e Encontros e desencontros (Lost in translation, 2003), de Sofia Coppola.
Ficaria sem dúvida nenhuma com As invasões bárbaras (Les invasions barbares, 2003), do canadense Denys Arcand, que venceu como filme estrangeiro. Entre os indicados, Sobre meninos e lobos é o meu favorito. Aliás, Sean Penn foi merecidamente premiado por sua atuação nesse filme.
2005
Vencedor: Menina de ouro (Million dollar baby, 2004), dirigido por Clint Eastwood, que também foi premiado como melhor diretor.
De todos os filmes americanos deste decênio, Menina de ouro seja talvez o melhor de todos, ao lado de Bastardos inglórios, de Quentin Tarantino. Teria que elaborar um texto enorme para falar de todas as qualidades dessa obra-prima do cinema mundial. Certamente o ano de 2005 foi o de maior justiça no Oscar em muito tempo. Se o objetivo é premiar produções internas, os Estados Unidos de fato escolheram o melhor filme de seu cinema naquele ano - e um dos melhores do mundo inteiro. Me limito a dizer que o discurso acerca da eutanásia ou do indivíduo que num primeiro momento suplanta as agruras existenciais para alcançar o sucesso - discursos esses enfatizados pela publicidade acerca da produção - são meramente secundários. Eastwood alcança o auge de sua poderosa metalinguagem para elaborar uma reflexão impressionantemente humana acerca de diversos aspectos existenciais e cinematográficos, sobretudo os que se vinculam à família, à personalidade e ao mundo, enegrecido e envelhecido, que constitui esses dois meandros do humano. Tudo isso através de proposições estéticas das mais geniais que se pode imaginar para elaborar questões banalizadas pelo cinema americano em geral e facilmente corrompíveis. Eastwood é um dos poucos cineastas hoje em dia que consegue erguer com propriedade um discurso tão somente reflexivo acerca da transversalidade das coisas - e o faz até mesmo quando sua abordagem agrega valores morais. E é isso que Menina de ouro executa com brilhantismo quase ímpar: uma discreta e imponente reflexão moral subjetiva sobre o transverso, sem pretensões, mas acolhedora, num sentido também transversal. Filme genial.
Concorreram com o filme: O aviador (The aviator, 2004), de Martin Scorsese; Sideways: entre umas e outras (Sideways, 2004), de Alexander Payne; O segredo de Vera Drake (Vera Drake, 2004), de Mike Leigh, e Ray (Ray, 2004), de Taylor Hackford.
Na categoria estrangeiro venceu Mar adentro (Mar adentro, 2004), um bom filme do diretor chileno Alejandro Amenábar, com excepcional atuação do ótimo Javier Bardem, um dos melhores atores de cinema da atualidade.
Aguardem os vencedores do Oscar nos anos 2006-2010 num próximo post. Não darei continuidade em função de que esta postagem já está enorme (!).
Falando em parcerias no cinema...
ResponderExcluirClint Eastwood e Morgan Freeman formam uma dupla fantástica e que está fazendo história no cinema.
A minha menção vai para Gran Torino, não entendi muito bem o porquê do Oscar esquecer esse grande filme.
Neste filme, Eastwood demonstra o motivo dele ser um dos principais diretores americano em atividade. A película permite inúmeras análises.
Ainda quero escrever algo sobre esse filme.
Parabéns pelo post.