Dando continuidade aos vencedores do Oscar nos últimos anos, a pedido do nosso leitor e amigo Jorge, apresento os ganhadores de 2006 a 2010.
2006
Vencedor: Crash - No limite (Crash, 2004), de Paul Haggis. Na categoria melhor diretor venceu Ang Lee, por O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005).
Um dos sujeitos mais celebrados em Hollywood, Paul Haggis havia, no ano anterior, ganho o prêmio de melhor roteiro por Menina de ouro, de Clint Eastwood. Nos anos seguintes, foi novamente indicado por No vale das sombras (In the valley of Ellah, 2007) e foi responsável por uma certa revitalização do personagem James Bond através do filme Cassino Royale, em 2006, sem falar nos roteiros de A conquista da honra (Flags of our fathers, 2006) e Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2006), ambos também dirigidos por Clint Eastwood. Em linhas gerais, trata-se de um sujeito que angariou renome através de pelo menos dois roteiros excepcionais: Menina de ouro e A conquista da honra. Crash não é seu primeiro filme - em 1993 ele havia realizado Red Hot -, mas, como diretor, percebemos uma enorme diferença entre ele e, por exemplo, Eastwood. Não sabemos até que ponto ele de fato transforma um roteiro em imagens fílmicas ou concebe seu texto como corpo modificável ao longa da produção das imagens fílmicas. O que sabemos, entretanto, é que Haggis, quando dirige, consegue no máximo uma razoável climatização de sua atmosfera narrativa, pecando na elaboração dos personagens e espaços. Haggis não tem muita ideia do que significa ritmo, e, longe de um grande diretor, como Eastwood, seus filmes não são mais que pretensiosos. Em outras palavras, Crash, a meu ver, não é, nem de longe, melhor filme que O segredo de Brokeback Mountain, que teve tudo aquilo que faltou ao primeiro - e mais um pouco -, o que não significa que Crash seja, de fato, um filme ruim.
Concorreram com o filme: Munique (Munich, 2005), de Steven Spielberg, Capote (Capote, 2005), de Bennett Miller, O segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005), de Ang Lee, e Boa noite e boa sorte (Good night and good luck, 2005), de George Clooney.
Tudo aquilo que falta a Paul Haggis como diretor tem sobrando ao chinês Ang Lee. O segredo de Brokeback Mountain é, para mim, um filme excepcional, de raríssimo tratamento narrativo em se tratando de um financiamento americano. O filme venceu o Leão de Ouro em Veneza, o que não é pouca coisa, e, se o Oscar fosse alguma coisa além de panfletagem, repetiria a excepcional escolha que havia feito no ano passado em relação a Menina de ouro, que ganhou porque seus panfletos publicitários foram muito mais convencionais que a verdadeira função narrativa da história, o que literalmente deu um nó nos notáveis membros da academia. Na categoria filme estrangeiro venceu Infância roubada (Tsotsi, 2005), de Gavin Hood, sul-africano que logo em seguida foi importado pelas estrelas americanas.
2007
Vencedor: Os infiltrados (The departed, 2006), de Martin Scorsese, que também foi premiado como melhor diretor.
Martin Scorsese já deveria ter pelo menos duas estatuetas em sua casa, há muito tempo atrás, por Taxi driver (Taxi driver, 1976) ou Touro indomável (Raging bull, 1980), e por Os bons companheiros (Goodfellas, 1990), talvez o seu melhor filme até hoje. Os infiltrados não é um filme ruim ou desmerecedor do prêmio, mas não é superior, dentro da filmografia scorsesiana, aos trabalhos já citados. Trata-se de uma justiça que a academia americana sempre desejou prestar a um dos diretores mais emblemáticos no cinema dos Estados Unidos. Os infiltrados é realmente um grande filme, com a assinatura de Scorsese. E isso é suficiente para no mínimo uma interessantíssima sessão de bom cinema.
Concorreram com o filme: Babel (Babel, 2006), de Alejandro González Iñárritu, Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2006), de Clint Eastwood, Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, 2006), de Jonathan Dayton e Valerie Faris, e A rainha (The queen, 2006), de Stephen Frears.
A academia literalmente ignorou o excelente A conquista da honra (Flags of our fathers, 2006), de Clint Eastwood, muito provavelmente em função da brilhante carga irônica da produção em relação ao assim chamado americanismo. No mais foi um evento destinado a evitar ter de agraciar Scorsese com um eventual Oscar honorário. Premiação justa, mas burocrática, enfim.
Vencedor: Onde os fracos não têm vez (No country for old men, 2007), de Joel e Ethan Coen, que também venceram como melhores diretores.
Aqui preciso me redimir de uma injustiça que cometi. Em outro post comentei que Menina de ouro e Bastardos inglórios seriam as duas melhores produções americanas deste decênio. Acrescento à lista Onde os fracos não têm vez. Como o filme é digno de extensa nota, me limito a anunciar que estarei comentando minhas impressões em uma postagem específica, provavelmente quando do lançamento do novo filme dos irmãos Coen, True grit, já em pós-produção. De maneira geral, Onde os fracos não têm vez é uma obra-prima do cinema recente e foi absolutamente merecedor da premiação. Nada anormal para quem já venceu três vezes em Cannes. Anormal mesmo é o Oscar ter se rendido à genialidade conceitual dos Coen.
Concorreram com o filme: Desejo e reparação (Atonement, 2007), de Joe Wright, Juno (Juno, 2007), de Jason Reitman, Michael Clayton (Michael Clayton, 2007), de Tony Gilroy, e Sangue negro (There will be blood, 2007), de Paul Thomas Anderson.
Interessante notar que 2008 foi um ano de ótimos filmes para o cinema americano, e o Oscar soube reconhecer isso. Agora, não posso perdoar que Joe Wright não tenha sido indicado a melhor diretor por Desejo e reparação, um grande filme, mesmo que os irmãos Coen fossem, digamos, imbatíveis. Em seu lugar entrou na disputa Julian Schnabel, por O escafandro e a borboleta (The diving bell and the butterfly, 2007), que também foi um bom filme. Sangue negro, que deu o prêmio de melhor ator ao excepcional Daniel Day-Lewis, é outro filme ótimo. Enfim, um grande ano para quem gosta de cinema, raro de acontecer. Só não entendo também a derrota de Roger Deakins, fotógrafo dos Coen, para Robert Elswitt, embora ele tenha feito um ótimo trabalho em Sangue negro.
Vencedor: Quem quer ser um milionário? (Slumdog millionaire, 2008), de Danny Boyle, vencedor também da categoria melhor diretor.
Se em 2008 o Oscar foi excelente, não podemos dizer o mesmo de 2009. Quem quer ser um milionário? não é um filme absolutamente ruim, mas prefiro, sem relutar, Milk (Milk, 2008), de Gus van Sant, muito mais superior enquanto cinema do que a produção de Boyle. O filme limita-se a uma simples sucessão de fatos existenciais mirabolantes, como em um jogo de tabuleiro, e, nesse vai e vem, a vida, propriamente dita, ou, a vida pobre, não é proposição fílmica, mas gesto cênico retratado a partir daquilo que Boyle convencionou em seu cinema como não usual - e que, em vários momentos, é de grande mau gosto. Um filme bollywoodiano bonitinho para americano sossegado querer encher os olhos - e nada indianamente humano.
Concorreram com o filme: O leitor (The reader, 2008), de Stephen Daldry, O curioso caso de Benjamin Button (The curious case of Benjamin Button, 2008), de David Fincher, Frost/Nixon (Frost/Nixon, 2008), de Ron Howard, e Milk (Milk, 2008), de Gus van Sant.
A meu ver, O leitor e, em especial, Milk, são filmes muito melhores que Quem quer ser um milionário?. Entretanto, é compreensível o porquê de sua vitória, já sugerido anteriormente, mas não é compreensível a premiação de Danny Boyle em detrimento de nomes como Gus van Sant e Stephen Daldry. Aliás, ambos os filmes têm duas personagens excepcionais: o primeiro, o protagonista, vivido por Sean Penn, que venceu como melhor ator. O segundo, Bruno Ganz, sem dúvida um dos melhores atores do cinema mundial atual.
Vencedor: Guerra ao terror (The hurt locker, 2008), de Kathryn Bigelow, que venceu como melhor diretora.
Já comentei os principais candidatos a esse Oscar em postagens específicas. Resta dizer que, embora Bastardos inglórios tenha sido algo excepcional na última década, Guerra ao terror não deixa de ser um filme que, por sua trajetória, merecia ser reconhecido - e conseguiu. Uma vitória francesa, aliás, já que o financiamento foi realizado por produtores daquele país. Mas Quentin Tarantino decididamente fez um filme criativo, belo, inteligente e, em linhas gerais, perfeito. E Avatar, que é um bom filme, não precisaria mais que seus quase três bilhões de dólares em bilheterias mundiais. James Cameron certamente não dormiu menos triste porque sua ex-esposa lhe abocanhou um aparente favoritismo - e sua pretensão não parece ser mais que fazer história com sua visionária maneira de conceber universos imaginários. Dinheiro ele só precisa, mesmo, para continuar nessa viagem.
Por justiça eu teria premiado Tarantino como melhor diretor e roteirista, embora creio que ele deve ter adorado sair da cerimônia de maneira inglória. No final, sem querer, tudo fechou a seu favor, consolidando a carreira do talvez mais brilhantemente promissor diretor americano dos últimos tempos.
Concorreram com o filme: Avatar (Avatar, 2009), de James Cameron, Preciosa (Precious, 2009), de Lee Daniels, Up - altas aventuras (Up, 2009), de Pete Docter e Bob Peterson, Bastardos inglórios (Inglorious basterds, 2009), de Quentin Tarantino, Um sonho possível (The blind side, 2009), de John Lee Hancock, Amor sem escalas (Up in the air, 2009), de Jason Reitman, Distrito 9 (District 9, 2009), de Neill Blomkamp, Educação (An education, 2009), de Lone Scherfig, e Um homem sério (A serious man, 2009), de Joel e Ethan Coen.
No fim das contas, a única coisa que lamento é o total esquecimento ou repúdio ao excepcional filme Amantes (Two lovers, 2009), de James Gray. Em seu lugar filmes insossos, como Preciosa, tiveram a preferência. Inexplicável preferência. Talvez porque Amantes não quis nenhum alarde. Entretanto, é possivelmente o mais belo filme de James Gray - e um dos melhores desta década.
Parabéns,
ResponderExcluirEstamos diante de mais um belo post escrito pelo Fabiano.
Minha menção aqui é pelo filme "O Lutador", dirigido por Darren Aronofsky e escrito por Robert D. Siegel. Adorei este filme, o retorno brilhante do Rourke.
Realmente, 2009 foi uma safra bem fraca de filmes norte-americanos. No entanto, este filme agradou-me bastante.
Fabiano, já saíram algumas imagens de como serão os zumbis de Walking Dead. Dê uma olhada neste link aqui http://www.bleedingcool.com/2010/06/02/those-walking-dead-zombies-in-colour/
O visual está caprichado. Vamos ver o resto!!!
Também gostei de O lutador, especialmente de Rourke, mas acho que Aronofsky decaiu desde Requiem para um sonho e Pi. Mas foi mesmo uma boa lembrança sua.
ResponderExcluirEu vi as primeiras imagens de Walking Dead e estou bem ansioso para conferir a série, ainda mais pelo fato de Frank Darabont estar cuidando da adaptação. Gosto da visão desse diretor em relação ao terror. Cada episódio terá mais ou menos uma hora de duração, e estão previstos oito, se não me engano. Quando assistir prometo escrever sobre o assunto. Antes, porém, quero escrever mais sobre Romero, a declarada inspiração de Darabont, a partir de sua série sobre os mortos. O próximo artigo, que eu queria ter feito mês passado, será sobre Dawn of the Dead, seguindo na ordem. Ainda não comecei a escrevê-lo, mas estou com várias ideias. Talvez publique ainda este mês.
Obrigado pela participação! Qualquer coisa, estamos à disposição.